"Lula promete enfrentar crime na Amazônia se retornar ao poder." "Lula quer liderar a luta contra as mudanças climáticas." A entrevista de Luiz Inácio Lula da Silva, na segunda-feira (22), foi em São Paulo, porém esses títulos não foram publicados no Brasil. Talvez porque o país tenha outras inúmeras questões a debater, mas não só. Ambiente, clima, Amazônia, todo mundo acha importante. Até a página dois.
"Lula defende alternância de poder na Venezuela" foi o enunciado da Folha para o encontro do candidato com correspondentes internacionais. Difícil contestar a opção feita. A reportagem do jornal mostra o ex-presidente comentando diversos aspectos de política internacional, da América do Sul a Taiwan, passando por Ucrânia e Estado palestino. Como relataram The Guardian e Frankfurter Allgemeine Zeitung, a Folha também registra que o candidato versou sobre o Brasil tornado pária pelo desastre ambiental de Jair Bolsonaro, em apenas dois parágrafos do texto, os últimos.
Não é um caso isolado nem um problema exclusivo deste jornal. Ambiente é prioridade, mas o que não falta é prioridade em um país cheio de problemas para resolver. Dona de um projeto importante na área, Planeta em Transe, que promete dar peso e sequência ao tema em suas plataformas, a Folha até a semana passada não tinha se debruçado sobre a (pouca) discussão ambiental nestas eleições. Estado de Direito, empresários golpistas, evangélicos, fome, fake news, militares, não faltou assunto para as manchetes eleitorais. Ambiente ficou para depois.
"Os candidatos não estão falando disso, e a mídia também não está perguntando", diz Claudio Angelo, ex-colega de Folha e hoje coordenador de comunicação do Observatório do Clima. "A eleição deste ano não é uma discussão programática, mas quase um plebiscito sobre ditadura e democracia. Amazônia vira detalhe."
A questão fiscal no início do próximo mandato é antecipada, mas Angelo lembra que o detalhe amazônico será um enrosco monumental na largada do novo governo. "O desmatamento vai disparar. Há muita gente armada e empoderada, crime organizado, Exército com má vontade. A solução ficou bem complexa, e a pressão internacional será muito grande. O próximo presidente terá que fazer escolhas."
Os jornais precisam fazer algumas também. Angelo sugere olhar para bons exemplos nas imprensas britânica e americana. Para ficar no melhor deles, a cobertura de ambiente do Guardian é, na prática, uma ação afirmativa. Os leitores precisam ser confrontados com os efeitos da crise do clima constantemente porque esse é o "maior problema que a humanidade enfrenta", escreveu o diário já em 2015.
A Folha faz isso com assuntos que considera relevantes. A cobertura das Cartas pela democracia é um exemplo recente. O jornal determinou que o movimento era de interesse público e ponto final. Não se faz isso todos os dias nem com qualquer assunto, por óbvio. É preciso motivos e argumentos.
Há uma Amazônia deles.
Contragolpe
Alexandre de Moraes obrigou os jornais a retomarem a história do Metrópoles ao autorizar a operação de terça-feira (23) contra os empresários que trocaram mensagens golpistas em um grupo de WhatsApp. A primeira versão da notícia na Folha tinha mais espaço para o outro lado do que para o fato. Passado o susto e os dias, os canhões da imprensa se voltaram para o ministro. Mais incisivo na investida, o jornal na quinta-feira (25) publicava que "Moraes teve reportagem como única base para decisão contra empresários bolsonaristas". Presidente e aliados bradaram palavras de ordem e fúria para o 7 de Setembro.
Em mensagens ao ombudsman, leitores comparam a situação atual com a do auge da Lava Jato, com a diferença de que o ativismo judicial, agora criticado como ameaça à democracia, passou batido à época, notadamente pela mídia.
Quem perde
A Folha publicou vídeo de Bolsonaro rezando com ministros antes de entrar no Jornal Nacional. Tirou foto de sua mão rabiscada com assuntos que ele queria ver discutidos nas redes. Fez até um "saiba quem é" sobre o doleiro cujo nome aparece na cola. O presidente cria ondas, a imprensa pula nelas por audiência. É um sistema nefasto para o jornalismo.
Quem ganha
Ruy Castro sentiu necessidade de explicar como se faz uma entrevista. Flávia Boggio, de como estragar uma. E o G1, de comprovar que Renata Vasconcellos não usou sapatos vermelhos para falar com Lula.
Já a Folha sentiu a necessidade de usar a conjunção "mas" em três títulos de viés positivo para o petista. Apenas um enunciado do jornal afirmou sem delongas que Lula foi bem em seus 40 minutos de JN. O Estado de S.Paulo não se deu a ousadia. O Globo e Valor, sim.
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