José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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O golpe no WhatsApp

'Velha mídia' dá pouca atenção à conversa conspiratória do PIB bolsonarista

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A eleição deste ano será pródiga em confusões e boas histórias, como a do agarrão constrangedor de Jair Bolsonaro no youtuber que o chamou de "tchutchuca do centrão". Ou a da ovação às urnas eletrônicas na posse de Alexandre de Moraes no TSE, outro momento de pouco brilho do presidente na última semana. Não é o excesso de fatos, no entanto, que explica a falta de empolgação da imprensa com a excelente reportagem do Metrópoles sobre diálogos subversivos em um grupo de WhatsApp de empresários bolsonaristas. Nele se discutia o golpe com a desenvoltura de quem prega uma reforma tributária.

Na quarta-feira (17), boa parte da imprensa nacional comentava o dia seguinte da sessão no tribunal, o encontro dos antípodas, os inúmeros recados dados pelo ministro em seu discurso, os aplausos da maioria e o esforço de estátua dos bolsonaristas. Além, é claro, da demonstração explícita de "expectativa de poder", termo cunhado por mais de um analista para explicar a calorosa recepção do salão a Luiz Inácio Lula da Silva.

Falava-se também de uma espécie de confirmação político-jurídica dos atos de 11 de agosto. As manifestações da sociedade civil, expressas nas Cartas organizadas pela São Francisco e pela Fiesp, foram referendadas pelos Poderes, ali representados por seus dirigentes máximos. A democracia é a única alternativa, as urnas são confiáveis, quem for contra isso ou produzir fake news para desmoralizar o processo eleitoral será punido de modo célere e implacável, sentenciou Moraes no púlpito.

O Estado Democrático de Direito, enfim, exibia boa forma. A percepção durou pouco, apenas até o fim da tarde, horário em que o Metrópoles publicou sua reportagem. Em um grupo recheado de poderosos do PIB bolsonarista, a conversa ia em direção diametralmente oposta: um golpe de Estado se faz necessário se Lula ganhar. "Prefiro golpe do que a volta do PT." "Quero ver se o STF tem coragem de fraudar as eleições após um desfile militar na avenida Atlântica com as tropas aplaudidas pelo público." "O golpe teria que ter acontecido nos primeiros dias de governo." "Golpe foi soltar o presidiário!!! Golpe é a velha mídia só falar merda."

A "velha mídia" falou da merda, mas com inexplicável moderação. Teve gente que nem tocou no assunto, como o Jornal Nacional. A Folha só entrou na história na quinta-feira (18), quando o teor da reportagem inevitavelmente surgiu em uma coletiva improvisada de Bolsonaro. Ainda assim, pela negativa do mandatário, com enunciado que se encaixaria em qualquer corrente bolsonarista: "Bolsonaro diz que empresários que defendem golpe é notícia falsa".

Ilustraçnao mostra 4 ratos cinzas, acima de cada um deles há um logo do whatsapp.
Carvall

O assunto ganhava alguma tração nos sites noticiosos, mas logo o presidente se transformou em "tchutchuca", e a preocupação com o Estado de Direito se curvou à blague. Dos quatro grandes jornais do país, apenas Folha e O Estado de S.Paulo levaram o assunto ao impresso em forma de reportagem. A Folha ainda precisou de Reinaldo Azevedo para registrar o assunto indiretamente na Primeira Página. Os colunistas, diga-se, entenderam o tamanho da notícia.

Em entrevista ao Painel S.A., Marcos Cintra, ex-secretário da Receita e candidato a vice na chapa presidencial da União Brasil, naturalizou o golpismo explícito. Membro do grupo de WhatsApp, disse que ele serve para "jogar conversa fora". "Parece que alguém entrou nesse comentário de que preferia ter golpe a Lula ou ao PT. Mas acabou, e ninguém comentou mais nada. Um ou outro riu e continuou assim mesmo." Cintra reclamou da proporção que a coisa tomou, com pedidos de investigação no STF. "Que sociedade é essa em que estamos vivendo?" Uma que não aceita golpe, nem de brincadeira?

Segundo o Metrópoles, também estão no grupo, entre outros, Luciano Hang (Havan), Afrânio Barreira (Coco Bambu), José Isaac Peres (Multiplan), José Koury (Barra World Shopping), Ivan Wrobel (W3 Engenharia) e Marco Aurélio Raymundo (Mormaii), autores de algumas das frases reproduzidas parágrafos acima. Outro integrante, Meyer Nigri (Tecnisa), de acordo com a reportagem, repassou textos de terceiros com ataques ao STF e em defesa da contagem paralela de votos. "Só repassei um WhatsApp que recebi", disse o empreiteiro no outro lado.

Tomar cuidado ao repassar mensagens é a regra número um contra fake news. E atentar contra o Estado Democrático de Direito é crime, lembrou Dias Toffoli, na sexta-feira (19), ao lado de Ciro Nogueira, Arthur Lira e Rodrigo Pacheco.

Esta coluna se repete, o golpe está em curso. É obrigação da imprensa, da mídia, velha, nova, de meia ou zero idade, não desperdiçar qualquer oportunidade de denunciá-lo. Ainda que fosse só "uma conversa", a democracia ali saiu do grupo.

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