José Henrique Mariante

Engenheiro e jornalista, foi repórter, correspondente, editor e secretário de Redação na Folha, onde trabalha desde 1991. É ombudsman

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Palavras ao vento

Árvores, postes e até privatização superam o fato principal, a crise climática

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A semana começa atrasada, confusa, sem energia, sem internet. A árvore da rua, mal podada, porque podar não é apenas liberar espaço para os fios, mas um exercício complexo de preservação e estética, devolve o descaso. O galho principal, fragilizado pelo corte burocrático, desaba em cima do poste ao lado, levando os cabos e a luz por quatro dias.

Entre velas e o modo "economia de energia" do celular, a notícia não chega. Quando enfim ela aparece, a discussão é como enterrar fios pela cidade de subterrâneo não menos caótico, como lidar com serviços públicos e monopólios privados, o oportunismo de legisladores bradando CPIs e o discurso vazio de governantes. O fato principal, no entanto, a razão de mais uma "tragédia natural", aspas obrigatórias, ainda é tratado como uma questão subsidiária.

Há uma novidade. A crise climática se impõe. Os recordes de chuva, calor e vento, ciclones, enchentes, deslizamentos de terra e secas, "o ano mais quente em 125 mil anos", tudo isso está posto. Nem o agronegócio, de olho nas quebras de safra e nos seguros pagos pelo governo ao qual faz oposição, consegue ignorar o problema. A fase da negação pura e simples parece superada.

O passo seguinte é mais largo. É encarar o gigantismo do problema e não se perder entre os inúmeros desafios imediatos, que se confundem com o despreparo cotidiano do país.

Na Folha, o título do editorial promete reflexão: "Apagão climático". O texto, porém, desfia as incompetências da prefeitura paulistana e da Enel, a criticada concessionária de energia da região metropolitana. A admissão de que "eventos climáticos extremos serão cada vez mais frequentes" está lá, mas apenas para justificar a cobrança do que já deveria estar sendo feito, podas, fios, fiscalização, não do que precisará ser pensado e realizado.

A silhueta de um homem sobe um teclado de computador, cujas teclas são como degraus. Alguns desses degraus parecem voar. O fundo é branco.
Folhapress

Na mesma terça-feira (7), o Jornal Nacional põe o assunto na escalada e na reportagem de abertura: São Paulo e grande parte do país precisam buscar a resiliência climática e "estão atrasados". Em poucas palavras, a discussão não é sobre mudar árvores ou postes de lugar, mas vias, bairros, populações inteiras e minimizar as próximas catástrofes.

Imprensa e autoridades precisam de ambição, não por conveniência, mas por contingência do momento. A que demonstrou Michael Bloomberg, então prefeito de Nova York, logo após a passagem devastadora do furacão Sandy pela cidade, em outro início de novembro, há 11 anos.

Sem menosprezar os obstáculos de curto prazo no atendimento da enorme população afetada, não teve receio de apontar para o problema de verdade, a brutal mudança climática gestada neste antropoceno: "Podemos ver ou não outra tempestade como esta em nossas vidas, mas não acho justo deixar para nossos filhos a responsabilidade de terem que se preparar para isso".

Filhos? A conta já chegou.

Comentários ao vento

Leitores reclamam do sistema de comentários da Folha, queixa antiga e que já mereceu abordagem desta coluna.

Avolumam-se, no entanto, acusações de que o jornal estaria censurando manifestações relacionadas à guerra Israel-Hamas, notadamente as críticas à ofensiva israelense na faixa de Gaza e à violência contra a população palestina.

"Palavras como sionismo, antissionismo, semitismo, antissemitismo, genocídio, massacre, colonialismo, Netanyahu, por exemplo, são identificadas por um robô, e o texto é previamente censurado sem se analisar o contexto", escreve um assinante.

O robô também não é coisa nova. Identifica xingamentos, discursos de ódio e temas considerados sensíveis, desviando-os para um avaliador humano, o que amplia o prazo de análise e liberação.

Como em outros episódios divisivos recentes, a seção de comentários reflete a disputa de narrativas, perdoem o clichê, onde se misturam opiniões sobre os artigos comentados e seus objetos, críticas e elogios a posições do jornal e de quem o lê. Não sem confusão.

Em crítica interna, o ombudsman ponderou que parte da audiência estava considerando o serviço oferecido insatisfatório e que alguma medida de transparência seria oportuna. Motivado por isso ou por iniciativa própria, o jornal publicou reportagem em que a equipe responsável assume, em texto bem-humorado, a pecha de "censora da Folha". Vale a leitura.

Confrontada com as alegações, a Secretaria de Redação nega viés censório na ação de controle e considera que o tamanho do time de moderação está adequado ao volume de comentários. Antecipando uma provável réplica de alguns dos leitores queixosos, se não há censura, o processo todo demora demais, a ponto de ser percebido como tal.

A Folha é uma feroz defensora do livre debate de ideias. A estrutura que oferece a seus leitores deve estar à altura.

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