José Manuel Diogo

Diretor da Câmara de Comércio e Indústria Luso-Brasileira, é fundador da Associação Portugal Brasil 200 anos.

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Eusébio adiou eternidade de Pelé em 1966, mas terminou amigo e irmão

Quando os imortais nos deixam no mundo dos vivos, ficamos todos mais perto de Deus

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Quando os imortais deixam o mundo dos vivos, os mortais se juntam para lhes render homenagem, celebrar a vida, cantar os feitos e definir as memórias que ficarão para a eternidade. Ave Pelé, "morituri te salutant".

Esse ritual, manifestação benigna que revela pertença à causa universal do bem, mostra o melhor da humanidade funcionando. Quando os imortais partem, podemos nesse instante conectar nossa mortal existência à sua genialidade eterna.

Os ex-jogadores Eusébio e Pelé em homenagem antes de amistoso entre Brasil e Portugal, em Lisboa - Eduardo Knapp - 17.abr.02/Folhapress

No dia em que Pelé parte, nós, simples mortais, recordamos os momentos da história em que nossas vidas e memórias se cruzaram. Ficamos todos mais perto de Deus.

O ano em que eu nasci, 1966, foi também o ano em que Pelé não foi tri. Isso aconteceu por "culpa" da seleção nacional de Portugal e, particularmente, de um tal Eusébio da Silva Ferreira —que, na tarde daquele 17 de julho, por momentos lhe adiou a eternidade.

Por causa dessa amizade, Pelé apenas chegou ao tri (quatro anos depois, em 1970), mas nunca ao tetra. E o Brasil teria de esperar 24 anos (até a Copa de 1994, nos Estados Unidos) para sê-lo.

Aquela tarde no Goodison Park, em Liverpool, ficou definitivamente marcada na sua carreira. Foi sua única derrota em uma Copa do Mundo, em um jogo no qual Eusébio fez dois dos gols com que Portugal venceu (3 a 1) e eliminou o Brasil, então bicampeão e favorito.

Pelé, ao final da partida, foi cumprimentar todos os jogadores da "equipa das quinas", reconhecendo a superioridade lusa. Nesse dia, perdeu a possibilidade de voltar a ser campeão do mundo, mas ganhou uma amizade com Eusébio, que tratava por irmão. "Ficamos amigos no Mundial de 1966, na Inglaterra", afirmou Pelé no dia da morte do Pantera Negra.

No entanto, o primeiro contato de Pelé com o futebol português acontecera quase uma década antes. Foi a 19 de junho de 1957 e ele, ainda com 16 anos, foi escolhido para integrar um misto de jogadores do Santos e do Vasco da Gama para disputar a Taça Morumbi.

Pelé defrontou o time lisboeta Belenenses, em que jogavam outros dois portugueses africanos —Matateu e Vicente—, e marcou três gols em uma goleada de 6 a 1. Foram os primeiros gols do rei no Maracanã.

À parte o futebol, por esses anos Portugal e o Brasil trilhavam difíceis caminhos políticos e se comprometiam no caminho de ditaduras anacrônicas, em um mundo que se transformava rapidamente no sentido contrário, impulsionado pelo baby boom pós-Segunda Guerra.

Espinho de belas rosas, o futebol, com a sua força agregadora e transversal, servia simultaneamente de válvula de escape e garoto-propaganda àquela cegueira social de que as ditaduras serôdias, que atingiam os países de língua portuguesa, se serviam para manter seus povos fora da democracia.

Astros e estrelas do futebol ocupavam na televisão o espaço roubado ao debate social, empobrecendo-o com a cumplicidade de todos, ajudando as políticas ditatoriais de Portugal —ainda um país colonialista naquele tempo— e do Brasil, então recém-engolido pelos militares, a se esconderem do futuro.

Hoje, muitos anos passados, concatenando as memórias de quem nos fez sonhar, aprendemos que elas são muito maiores que qualquer sonho mau. Quando os imortais nos deixam no mundo dos vivos, ficamos todos mais perto de Deus.

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