Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Via de mão dupla

A perversão exibicionista das sessões de slide foi trocada pelo Instagram

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Havia no passado um pesadelo familiar chamado sessão de fotos de viagem. Era quando os retornados de férias convidavam amigos para assistir a uma apresentação de slides dos supostamente alegres momentos que viveram mundo afora (ou bem ali ao lado).

Durante a projeção, mesmo disfarçando o tédio na penumbra era educado ocasionalmente demonstrar algum interesse: "Que piscina grande! Que navio chique!”.

Maíra Mendes

Sempre imaginei que seria o supremo martírio, exceto para quem estivesse comandando o carrossel de slides e dominando a empolgante narrativa.

Mas sabe que hoje tenho dúvidas da chatice daquilo? Eu entendia que o evento alegrava o ego do seu promotor, com plateia garantida para certa perversão —o exibicionismo.

Mas aí surgiu o Orkut. O Facebook. O Instagram. E mais meia dúzia de ferramentas de propagação da egolatria, agora popularizada sem necessidade de equipamentos complexos como câmera fotográfica e projetor de slides. Ou super 8, exibicionismo garantido antes mesmo do apagar das luzes.

Esses sites e aplicativos mostraram que o jogo tem mão dupla. As pessoas que fingem riqueza e felicidade em suas selfies não estão rebolando no deserto; só conseguem manter seus desvios ególatras pois do outro lado da tela existe uma multidão de voyeurs com perversão semelhante (com sinal trocado), gente ávida por bisbilhotar a vida dos outros. Junta-se a fome e a vontade de comer.

Comida, aliás, é um terreno que comprova o quanto ali impera a mentira deslavada. Pessoas fotografam e postam e elogiam pratos que nem provaram (e que estarão ruins quando frios), apenas para insinuar que estão passando muito bem, comendo do bom e do melhor (como sabem?), tripudiando sobre o pobre amigo que está requentando o jantar.

Já a pessoa que lê, exulta e se humilha de bom grado, dá loas, com carinhas e gifs, à mentira alheia, fantasiando aquela suposta felicidade. E, claro, assim que possível postará a vingança, prato que neste caso realmente se come frio.

Engraçado é que, no início dessas redes psicóticas, algumas pessoas até falavam a verdade com suas fotos. Pelo menos uma, que me lembre, o fazia inadvertidamente: a famosa americana Martha Stewart, que à parte as polêmicas fiscais que lhe valeram uma temporada na prisão, tem sido para a classe média de seu país o símbolo da elegância no receber.

Como decorar a casa e a mesa, como cozinhar e como servir são parte do menu das suas revistas e programas. Ela só não entendeu, no começo, que nas redes antissociais ela não poderia ser verdadeira, teria que manter a fantasia que vendia nas publicações.

Ela começou a publicar as fotos que ela mesma fazia daquilo que ela comia de verdade. Escândalo! Na vida real, ela fotografa pior que eu, e seus pratos são comuns (e sem produção). Nunca se viu comida tão feia e indigesta quanto nos seus posts (não adianta ir atrás do Instagram dela agora, atualmente tudo está lindamente plastificado).

Ela não foi nem é a única a cometer sincericídio: há um blogueiro com perfil no Tumblr que se diverte (de forma inteligente) flagrando as pobres almas que apenas fotografam e mostram o que comem de verdade. Chama-se Dimly Lit Meals For One (refeições na penumbra para um; dimlylitmealsforone.tumblr.com).

Aviso: há coisas muito feias. Dignas do delicioso personagem de Paulo Tiefenthaler no “Larica Total”, do Canal Brasil. Pratos horrorosos, mas sem hipocrisia, sem exibicionismo, sem voyeurismo, apenas reais.

A partir de 2023 os maiores hotéis da Califórnia (EUA) estarão proibidos de oferecer embalagens plásticas com cosméticos para os hóspedes —no ano seguinte, a lei se aplicará a todos os estabelecimentos. 

Talvez seja um alívio para o medieval ex-ministro da Educação do Bozo, Ricardo Vélez, que acusava os brasileiros de serem canibais (?) por se apossarem dos mimos (que os próprios hotéis concebiam como lembranças para os hóspedes, como mostrei no texto “Canibal à solta em Monte Carlo”).

A preocupação é com o lixo plástico que essas miniaturas geram, por serem altamente descartáveis, mas não tanto quanto o ministro de triste memória, que já foi chutado do seu posto para a lixeira da história. 

Isso não quer dizer que o Brasil se livrou da indigência moral e intelectual que ele representou. Vélez foi substituído por outro ser jurássico, o nefasto Abraham Weintraub, mostrando que na escalada fascista, mesmo o péssimo sempre pode piorar.

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