Josimar Melo

Jornalista, crítico gastronômico, curador de conteúdo e apresentador do canal de TV Sabor & Arte

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Josimar Melo

Uma cozinha para chamar de sua

Alugar casa durante uma viagem ajuda a nos inserir em lugares distantes

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Engraçado que até hoje eu não tenha usado o Airbnb. Digo isso porque sou velho entusiasta de alugar casas em vez de ficar em hotéis durante viagens, desde o tempo em que nem se sonhava com sistemas como esse.

Eu adoro hotéis também. Especialmente para estadias mais curtas e com tudo agendado, sem muito espaço para improvisar, com restaurantes já reservados e uma sequência de atividades o dia todo, o hotel, no fim do dia, com seu quarto arrumado e tudo resolvido, é um bálsamo.

Se o quarto tiver os mínimos requisitos que considero indispensáveis (e que já mencionei no passado neste espaço), se o hotel for bem localizado e tiver vibrantes áreas comuns, então tudo certo.

Mas se você dispõe de algum tempo livre para usufruir seu destino, a coisa muda de figura. Em tempos pré-Airbnb eu já procurava me organizar para ter um espaço mais próximo do que poderia ser uma casa pra chamar de sua, ainda que por poucos dias.

Colagem com fotos de frutas, legumes e folhas verdes
Maíra Mendes/Folhapress

Em Paris havia uma agência de aluguel temporário a que eu sempre recorria. Como tinha amigos na cidade, mesmo quando estava na correria eu dava um jeito de, findo o trabalho, ficar alguns dias a mais para aproveitar a cidade. Essa agência só alugava pelo tempo mínimo de uma semana, o que era perfeito para combinar trabalho e alguns dias de lazer.

O que me atraía nesse hábito? Primeiro, o fato de que saía mais barato alugar um apartamento do que ficar num hotel com espaço equivalente —ainda mais considerando que na Europa os hotéis costumam cobrar o café da manhã à parte da diária. Numa casa você se abastece do que gosta e curte o desjejum a preços muito mais módicos do que um café da manhã frequentemente banal e caro de hotel.

O dinheiro também fazia diferença no tocante às refeições. Quem está em hotel tem que comer fora todo dia, mesmo quando está apressado e precisa apenas de algo rápido, que não valeria a despesa.

Ao final, pelas tarifas das diárias e pelas despesas com a comida, fica evidente como sai mais barato o aluguel —e são inúmeras as oportunidades de consumo que se abrem para o dinheiro poupado.

Mas não é só isso. Sou do tipo de turista que sempre gostou de cultivar a fantasia de pertencimento aos lugares que visito. Uma fantasia que começa por caminhar nos arredores e escolher um bar para um cafezinho, atentando para o garçom que vai virar seu “brother” naqueles dias. Também fazia isso nas bancas de jornal, quando as havia e as usávamos com mais frequência.

E, pelo menos no meu caso, essa ilusão de pertencimento se reforça —e é até fundamental— pela comida. Claro, visitar restaurantes é um grande passo para criar uma conexão com aquela cultura que começamos a tatear ao sair do avião. Mas nada é tão intenso quanto ir aos mercados (especialmente os de rua), escolher os ingredientes, pedir conselhos e voltar “para casa” (ou seja, para aquele lugar onde temos aquela cozinha, mesmo temporária), e aí preparar uma refeição de sabor local.

Fazê-lo na França, com aquela cornucópia de ingredientes maravilhosos e que se transmutam a cada semana ao longo do ano, é um sonho. Os mercados de rua em Paris, com os pescados vivos à sua espera ao lado de cogumelos que de longe capturam suas narinas, já valem a viagem. Sem falar das lojas de comida, como os açougues onde o balconista te dá receitas detalhadas para cada corte, ou aquelas onde o proprietário, malgrado todo seu empenho em levar uma fatia de seu queijo favorito, se recusa a vendê-lo, porque ainda não está no ponto.

Dentre meus apartamentos de passagem em Paris não posso esquecer daquele alugado, a preços de ocasião, na caríssima Île de Saint Louis, no meio do Sena. Nunca me senti mais magnata, mas sequer lembro o endereço, embora não me esqueça da cozinha, nada luxuosa, mas bem conveniente.

Melhor que isso, e ainda na França, foi a temporada de férias na Provence, em pleno verão de lá (e ainda assim, por uma fração do que gastaríamos num bom hotel). A cozinha, a churrasqueira no jardim sob o caramanchão, foram os cenários onde cozinhávamos todo dia com ingredientes comprados nos mercados itinerantes, que se revezam pelas históricas cidades vizinhas à “nossa” L’Isle-sur-la-Sorgue, misturando-se a paisagens pintadas pelos impressionistas.

Aix-en-Provence sedia um dos mercados. Cordeiros de pré-salé da Picardia, melões de Cavaillon ali do lado, sumarentos pêssegos de Costières, aspargos firmes do Loire, o que caísse na rede era peixe (peixes do Mediterrâneo, inclusive), e virara nosso repasto preparado sob as luzes abençoadas por Matisse e Cézanne. A cada garfada resultante, nos tornávamos um pouco parte daquele país.

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