Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri

Volta e meia o preconceito reaparece e com mais virulência

Não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista, como disse Taison

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O brasileiro Taison, do ucraniano Shakhtar Donetsk, mostrou o dedo médio e chutou a bola nos torcedores do Dínamo de Kiev que faziam som de macaco a cada vez que ele e seu patrício Dentinho pegavam na bola.

O árbitro parou o jogo até que a manifestação cessasse e expulsou o atacante por conduta antiesportiva.
Seguiu rigorosamente as regras do fair play da Fifa.

Porque a branca transnacional do futebol limita-se às campanhas inúteis contra o preconceito, apenas para ficar bem com a consciência politicamente correta, sem botar em risco as fortunas que amealha.

Taison mostra o dedo do meio para torcedores do Dínamo após manifestações racistas
Taison mostra o dedo do meio para torcedores do Dínamo após manifestações racistas - Oleksandr Osipov/Reuters

Parênteses: o que se poderia fazer de realmente eficaz para conter a bestialidade?

Há quase 50 anos neste ofício de testemunhar e contar histórias, admito a impotência diante de tamanha estupidez desde sempre.

Encerrar todos e quaisquer jogos nos quais acontecessem atos tão desprezíveis seria, para muitos bem intencionados, a solução.

Seria mesmo?

Imagine a cena: final da Copa do Mundo no Qatar, Brasil e França disputam o jogo que pode valer o hexacampeonato para o lado verde e amarelo e o tri para o azul, branco e vermelho.

Então, o negro Gabriel, que traz Jesus no nome, pega a bola e torcedores ucranianos presentes ao Lusail Iconic Stadium, para 80 mil lugares e custo de quase 3 bilhões de reais, imitam macacos com entusiasmo ainda redobrado quando o também negro francês Mbappé desarma o centroavante brasileiro.

O árbitro alemão encerra o jogo imediatamente.

Alguém acredita em tal possibilidade? E que culpa tem a maioria que nada fez? O que fazer?

Fingir que não houve nada, ouvidos moucos para a barbárie, como outra legião bem intencionada prega diante da ineficiência das medidas até hoje adotadas? Não seria uma forma de cumplicidade?

Para ficar claro: a referência aos ucranianos se dá apenas para contemplar os torcedores que agrediram Taison e Dentinho, que disse ter vivido em Kiev o pior dia de sua vida.

Substitua-os por italianos, argentinos, americanos ou brasileiros etc. que dá no mesmo. A verdade parece estar na constatação de que o ser humano é projeto inviável, não deu certo.

A intolerância goleia e a bola que pinga na área tem sido bem aproveitada por cineastas brasileiros ("Bacurau"), americanos ("Coringa"), argentinos ("A Odisseia dos Tontos"), sul-coreanos ("Parasita"), para mostrar como a desigualdade conduz à violência ilimitada.

Taison mostrou o dedo, o instrumento de que dispunha.

Tivesse uma metralhadora sabe-se lá o que faria.

Como condená-lo?

Ao contrário, merece o troféu dos indignados.

A covardia do sistema está disseminada a ponto de os covardes se sentirem autorizados a agredir adversários, a massacrar indígenas, quilombolas, gays, imigrantes, excluídos em geral, ou até negar a nossa Constituição porque nem sequer a Lei Áurea aceitaram até hoje, como diz um meme que viralizou.

É dos injustiçados que se espera magnanimidade, que substituam a raiva pela generosidade, que deem a outra face. Será Lula capaz de fazer o papel de conciliador, de repetir Mahatma Gandhi, Nelson Mandela ou Pepe Mujica, todos presos como ele e por mais tempo?

Ou de John Lennon, que escreveu ser "a Mulher o negro do mundo, o escravo dos escravos, pense a respeito, faça algo contra isso".

Lembre-se: não basta ser contra o racismo, é preciso ser antirracista, disse Taison.

Erramos: o texto foi alterado

Diferentemente do publicado em sua coluna anteriormente, Juca ​Kfouri quis se referir ao filme sul-coreano "Parasita", e não "Privilégio", conforme escreveu. O texto já foi corrigido.

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