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Reincidente, torcida que atacou brasileiros tem histórico racista

Torcedores organizados na Ucrânia têm ligação com partidos de extrema-direita

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São Paulo

Em outubro de 2015, o Dínamo de Kiev recebeu o Chelsea pela Champions League, em jogo realizado na capital ucraniana. Durante a partida, um grupo de torcedores do time da casa irrompeu no setor vizinho e agrediu quatro pessoas negras, que também torciam pelo Dínamo.

Na época, o clube foi punido em 100 mil euros (R$ 533 mil na cotação atual), dois jogos de portões fechados e a obrigatoriedade de estampar na camisa a mensagem "No to racism" (Não ao racismo, em inglês), até o fim da temporada.

A punição parece não ter surtido efeito algum. No último domingo (10), os brasileiros Taison e Dentinho foram as vítimas da vez dos torcedores do Dínamo.

"O Dínamo vem somando casos como esses desde 2015 e o clube não tem feito muito para controlar ou combater essa questão", diz Pavel Klymenko, integrante da Fare Network, ONG europeia que trabalha no combate ao racismo no futebol europeu.

Jogadores do Dínamo de Kiev conversam com Taison durante o clássico pelo Campeonato Ucraniano
Jogadores do Dínamo de Kiev conversam com Taison durante o clássico pelo Campeonato Ucraniano - Oleksandr Osipov/Reuters

Dentinho e Taison, atletas do Shakhtar Donetsk, foram alvo de injúria racial por parte de integrantes da torcida do clube de Kiev. Taison, que chutou a bola para a arquibancada e mostrou o dedo do meio aos torcedores, foi expulso de campo com cartão vermelho.

"Jamais irei me calar diante de um ato tão desumano e desprezível. Minhas lágrimas foram de indignação, de repúdio e de impotência, impotência por não poder fazer nada naquele momento", disse Taison em uma publicação na rede social Instagram. "Em uma sociedade racista, não basta não ser racista, precisamos ser antirracista", afirmou. 

O árbitro do duelo, Mykola Balakin, colocou em prática o "procedimento dos três passos", instituído pela Fifa e pela Uefa para casos de discriminação em partidas de futebol. Mas só parte dele.

Em um primeiro instante, os alto-falantes do estádio pediram para que os torcedores do Dínamo cessassem as manifestações. Na sequência, Balakin retirou os atletas de campo e a partida ficou paralisada por cinco minutos.

O terceiro passo do protocolo seria a suspensão do jogo. Esse passo, porém, ainda não foi dado, e remete a um caso semelhante de três semanas atrás, quando torcedores da Bulgária promoveram atos racistas contra jogadores ingleses em um jogo das eliminatórias da Eurocopa. O árbitro na ocasião também seguiu o protocolo dos três passos, mas parou no segundo.

Assim como no futebol búlgaro, casos de racismo são reincidentes na Ucrânia, especialmente envolvendo a torcida do Dínamo de Kiev.

Além das agressões a torcedores negros em 2015, integrantes da principal torcida organizada do clube, Rodychi, foram ao estádio em um jogo de 2017 com roupas alusivas à Ku Klux Klan — organização supremacista branca com atuação nos EUA— e máscaras com o desenho de suásticas para um confronto diante do Shakhtar Donetsk, pelo Campeonato Ucraniano.

Somado aos símbolos e às roupas, uma faixa foi estendida com a mensagem "100% branco".

Após o incidente do último domingo, o Dínamo de Kiev publicou uma nota em seu site oficial, na qual se dizem ansiosos pelo início das investigações e transferem a responsabilidade para a Federação Ucraniana de Futebol, que segundo o clube "só se preocupam com as punições financeiras".

"É a mesma história de 2015, com o clube fingindo que não conhece seus próprios torcedores", afirma Klymenko, que relaciona o aumento de manifestações racistas em jogos da equipe com o crescimento do movimento de extrema-direita na Ucrânia, especialmente após os conflitos entre o país e a Rússia em 2014 pelo controle do território da Crimeia, anexado pelos russos.

Em 2016, foi fundado no país o National Corps, um partido político que emergiu de um grupo paramilitar, o Azov, com atuação no leste ucraniano. Líderes do partido, segundo Klymenko, são também lideranças dos grupos neo-nazistas de torcedores do Dínamo.

"Não podemos fingir que o crescimento da extrema-direita não tem tido reflexo nos estádios. Todos que se somam a esses grupos [de torcedores] se somam também aos ideais de extrema-direita. E as coisas podem piorar", diz.

Nesta segunda-feira (11), a Fifa se pronunciou sobre o caso envolvendo os brasileiros Dentinho e Taison e afirmou que a responsabilidade sobre possíveis punições e medidas cabe às autoridades locais.

"Não estamos a par de todos os detalhes acerca deste incidente. Enquanto é a responsabilidade das autoridades ucranianas cuidar, investigar e agir sobre qualquer incidente na liga ucraniana, o posicionamento da Fifa é inequívoco no sentido de que qualquer tipo de discriminação não tem espaço no futebol", respondeu a entidade à Folha por meio de um porta-voz.

Taison mostra o dedo do meio para os torcedores do Dínamo de Kiev
Taison mostra o dedo do meio para os torcedores do Dínamo de Kiev - Oleksandr Osipov/Reuters

Especialista e professor de direito desportivo, o advogado Marcos Motta, do escritório Bichara e Motta advogados, diz que a federação internacional tem responsabilidade sobre o caso, uma vez que é ela quem formula o código disciplinar seguido por suas federações filiadas.

"A Fifa diz com alarde que 'não decepcionará vítimas de abuso racial' em seu novo código [disciplinar]. Cabe à ela verificar se a Federação Ucraniana cumprirá suas determinações", diz Motta.

O Shakhtar, clube de Dentinho e Taison, também esteve envolvido em manifestações racistas na atual temporada. Em partida da Liga Europa, torcedores da equipe exibiram uma faixa com símbolos de extrema-direita. O clube foi punido pela Uefa.

Na equipe jogam dez brasileiros: Ismaily, Vitão, Dodô, Taison, Marcos Antônio, Dentinho, Tetê, Alan Patrick, Maycon e Marquinhos Cipriano, além de Marlos, nascido no Brasil e naturalizado ucraniano.

O Dínamo de Kiev também tem um brasileiro no time: o lateral-esquerdo Sidcley, ex-Corinthians.

De acordo com Marcelo Carvalho, coordenador do Observatório Racial do Futebol, já são 13 casos de racismo envolvendo brasileiros no exterior neste ano. O leste europeu, segundo Carvalho, concentra a maioria dos incidentes.

“São locais com poucos negros, onde os negros começam a crescer em número neste momento. Isso incomoda. Aí entra a questão do nacionalismo muito forte, a questão da xenofobia, o ódio ao imigrante, sobretudo o negro”, afirma Carvalho.

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