“Vovô, de zero a dez, quão iludida é a torcida do Corinthians?”, perguntou Luiza, 16.
O time havia acabado de empatar 0 a 0 com o River Plate genérico, o paraguaio, e ela, pelo computador, nem revelava irritação, mas espanto.
“Acho que o corintiano racional, se é que isso existe, nem está iludido, porque sabe que o ano vai ser triste”, respondeu o avô, ele sim, irritado com o que acabara de ver, mas sempre calmo ao falar com a neta.
Luiza, como toda a geração dela, e a anterior, e a posterior, não fazem ideia do que seja sofrer pelo Corinthians.
O avô viu o time ser campeão quando tinha cinco anos e só voltou a ver aos 27, já pai do pai dela que, ao contrário, festejou quase todos os títulos possíveis e imagináveis ainda antes de completar 30, e todos antes de fazer 40.
O avô sofreu bullying, embora a palavra não existisse por aqui, em incontáveis segundas-feiras no primário, no ginásio, no colegial e na faculdade. Jamais se desesperou ou amaldiçoou a herança paterna, mas até deixar de acreditar em Deus deixou porque, além de não ser campeão, nem ganhar do Santos o Corinthians era capaz.
De tanto apanhar, couro curtido, depois de ver o Timão bicampeão mundial, o grau de exigência do avô baixou uma barbaridade, sem impedir a indignação diante dos vampiros que levaram o clube à beira da falência.
O time de hoje é ruim, embora menos que o de 1961, o famoso “Faz-me rir”, que começou o ano fazendo 7 a 2 do Flamengo e o terminou levando de 7 a 0 da Portuguesa, com direito a um 5 a 1 do Santos entre uma e outra goleadas.
Lá se iam sete anos sem títulos e faltavam mais 16!
Luiza não tem por que se desesperar e talvez sirva para aprender o que a paixão incondicional da Fiel é capaz de fazer. A torcida é o único respaldo para se imaginar futuro melhor, à altura de passado tão recente.
Vagner Mancini tem porte para ser técnico do Corinthians? É claro que não.
Luan tem bola para jogar no time? Mais óbvio ainda que também não. E joga por quê? Porque precisa mostrar algo que desperte o interesse de algum chinês disposto a diminuir o prejuízo causado por sua contratação suspeitíssima, mais uma do paraíso dos empresários em que o Parque São Jorge se transformou.
E Mancini tem de escalá-lo, assim como Léo Natel, Jô, Otero. Salários nababescos que impedem o único jeito de o time ser aceito pela torcida, com a garotada, sem expectativa de títulos, mas de ralação e obediência às ordens de quem fazia o Atlético Goianiense jogar melhor que o Corinthians.
Certamente Mancini, Luan, Jô, Natel, Otero, são parte do problema alvinegro, mas não são o problema.
O problema está nos indignos de dirigir o Corinthians, e de quem Luiza deve guardar a devida enorme distância, a cartolagem que infelicita o clube já há quase 15 anos.
Gente que se fez milionária à custa das Luizas, pais e avós delas, ou que, pessoalmente endividada, vê na paixão da Fiel o meio de mercadejar jogadores e saldar suas obrigações, seja com a Receita Federal, seja com a Justiça do Trabalho.
O avô de Luiza, um tipo esquisito, está saciado de taças e nem faz questão de novas, apesar de não desprezá-las.
Apenas promete não descansar enquanto não vir o futebol dirigido por pessoas decentes.
Talvez demore, talvez ele nem veja, mas acredita que Luiza verá. Como ainda festejará com a Fiel.
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