Rogério Ceni, do Flamengo, depois de ver seu time virar o jogo em que esteve atrás por duas vezes contra o Vélez Sarsfield, e em Buenos Aires, 3 a 2, pediu menos “lupa” nos defeitos defensivos rubro-negros e mais reconhecimento das qualidades da virada.
Miguel Ángel Ramírez, do Internacional, derrotado em La Paz pelo Always Ready, 2 a 0, não recorreu à justificativa da altitude desumana de 3.640 metros e reconheceu ter sido surpreendido pelo esquema do adversário: “Treinamos uma coisa e encontramos outra”.
A queixa do treinador brasileiro comparada ao reconhecimento do espanhol pode ser atribuída às diferenças culturais entre sul-americanos e europeus e redundar em críticas mais severas a Ceni, assim como em elogios à franqueza de Ramírez.
Como tudo tem outro lado, é possível também fazer exatamente o inverso. Afinal, um ganhou e o outro perdeu. E daí?
Daí que Ceni está certo ao dizer ser exagero tratar o desempenho de seu time mais pelos erros que pelos acertos numa vitória tão importante. E Ramírez é pago para não ser surpreendido como admitiu ter sido na Bolívia.
Pois então, como ficamos? Com Ceni? Com Ramírez?
Com ambos e com nenhum dos dois.
Fiquemos com o futebol e seus detalhes, suas incertezas, com o improviso e o talento capazes de desmontar esquemas e teorias.
Não há tática que impeça o golaço do boliviano Fernando Saucedo, um tirambaço de fora da área no ar rarefeito de La Paz, para fazer 1 a 0 no Inter. Como não há quem evite, ou planeje, outro golaço, o do uruguaio Giorgian De Arrascaeta, para decretar a virada do Flamengo.
Aí, no dia seguinte aos jogos dos gaúchos e dos cariocas, o Palmeiras vai ao Peru, onde também na noite anterior o São Paulo havia atropelado o campeão peruano Sporting Cristal, 3 a 0, e acontece o que aconteceu.
Em jogo dominado, pintando até goleada, os paulistas têm Empereur expulso. Sofrem o 1 a 2 na cobrança da falta que causou a expulsão e bate um surpreendente deus nos acuda. Danilo, que jogava muito bem, faz um pênalti desnecessário e vem o empate dos donos da casa.
Quase acontece o 3 a 2 em bobeada do excelente Weverton e, no derradeiro segundo, 10 contra 11, Renan, que estava no banco, cabeceia o escanteio cobrado por Scarpa, que também estava no banco, e o campeão continental ganha por 3 a 2.
Em vez das homenagens ao futebol e suas reviravoltas extraordinárias, instala-se a polêmica: por que o português Abel Ferreira insistiu com três zagueiros naquelas circunstâncias?
Mestre Tostão, que é mestre exatamente pelo equilíbrio em ver o essencial, o fator humano e sua magia, e o complementar, as táticas e estratégias, já cansou de mostrar que jogar com três zagueiros não é necessariamente defensivismo, muitas vezes é o contrário. Aliás, como o ex-goleador Hernán Crespo tem demonstrado no São Paulo.
“Olhem para frente, não para trás” —nenhuma referência à busca do bicampeonato da Libertadores, mas para mirar o ataque, não a defesa—, pediu Ferreira após a estreia em Lima —e ninguém parece ter entendido quando disse ter feito do limão limonada, um trocadilho na capital andina.
Mil vezes preferível os sustos levados por Flamengo e Palmeiras aos 60 cruzamentos do Atlético Mineiro na área do venezuelano La Guaira no horrível empate, 1 a 1, e atuação salvadora do goleiro Éverson.
Porque o futebol olhado só pelos erros prejudica o lado lúdico.
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