O jornalista é brasileiro e tem o supremo defeito de não gostar de Carnaval, pecado quase mortal para quem gosta de futebol.
O que explica gostar tanto de uma e não da outra manifestação popular mais arraigada na cultura nacional?
Paciência. Assim se deu desde sempre e não será a partir de agora que mudará.
O jornalista poderia dormir até mais tarde no sábado de Carnaval, mas às 9h30 estava de olho na TV porque o líder da Premier League jogava na casa do Aston Villa.
O jornalista gosta tanto do revolucionário Pep Guardiola que trocou a simpatia maior que sempre teve pelo Liverpool (You’ll never walk alone) e passou a torcer pelo Manchester City, que disputa cabeça a cabeça o título inglês com o Arsenal.
Quando Guardiola estava no Barcelona era fácil, porque os catalães sempre tiveram o carinho do jornalista. E quando ele foi para o Bayern Munique também tudo se deu naturalmente, pois inexistia clube preferido.
O jogo no Villa Park, em Birmingham, nem havia chegado aos cinco minutos e os anfitriões saíram na frente.
A derrota do Arsenal, com um jogo a menos, permitiria ao City passar definitivamente a liderar o campeonato, caso vencesse o jogo que começaria ao meio-dia, contra o Nottingham Forest, recém promovido à divisão principal.
O Arsenal empatou, o Aston Villa fez 2 a 1, houve novo empate e, nos acréscimos, o ítalo-brasileiro Jorginho chutou no travessão, a bola voltou na cabeça do goleiro e deu a vitória aos londrinos - que ainda fizeram 4 a 2 quando o goleiro do gol contra foi à área rival tentar fazer a favor e permitiu mais um com a meta vazia.
O jornalista cidadão estava entre o perplexo e o maravilhado com a rapidez da mudança dos acontecimentos que permitiria ao Arsenal manter a vantagem potencial de três pontos pelo jogo a menos que o City.
City que dominou o Nottingham Forest até abrir o placar no fim do primeiro tempo, com um tirambaço do português Bernardo Silva, depois que o alemão Gündogan havia desperdiçado duas chances claríssimas.
O segundo tempo, então, beirou o massacre, com carradas de oportunidades desperdiçadas e uma especialmente sobrenatural.
O norueguês Haaland, artilheiro da Premier League com espantosos 26 gols em 23 jogos, chutou no travessão, pegou o rebote na pequena área, matou a bola e a chutou nas nuvens. A ele será atribuída a eventual perda do campeonato, embora dificilmente concederão só aos seus méritos o possível tricampeonato do City.
Porque não demorou muito e, na única finalização certa do Nottingham, o "time de Robin Hood" empatou 1 a 1, tomou dois pontos dos ricos árabes e os entregou para os igualmente milionários norte-americanos.
Aquela bola chutada por Jorginho, que voltou na cabeça do goleiro, parecia fantasiada de bruxa. A mandada nas alturas por Haaland, no entanto, a transformou subitamente em rainha.
Prostrado, o jornalista se perguntava quantas vezes na vida tinha visto, no espaço de duas horas, dois lances tão inusitados e não encontrou resposta.
Havia visto gol contra de goleiro, pênalti bater na trave, nas costas de goleiro e entrar (Carlos, seleção brasileira, Brasil x França, Copa do Mundo de 1986) e até o Rei Pelé perder gol feito, mas não tudo no mesmo dia, quase na mesma hora e pelo mesmo campeonato.
Parece que o Arsenal será o campeão do Carnaval.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.