Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Descrição de chapéu Futebol Internacional

Uma ditadura comprar o Newcastle é mais um passo para ensanguentar o esporte

Time inglês foi adquirido pelo assassino que infelicita a Arábia Saudita, Mohammed bin Salman

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Pense na Coreia do Norte comprando o Corinthians.

É fácil, basta lembrar que a máfia russa já o comprou em 2004, a tal da MSI. Só não durou porque a cartolagem nacional é capaz de assustar até os gângsteres internacionais.

Esquemas de lavagem de dinheiro envolvidos com grandes clubes são quase tão antigos como o futebol moderno, o atraente negócio da indústria do entretenimento tão maltratado pela ganância de empresários e cartolas pelo mundo afora.

ISL, Parmalat, Traffic, abundam os exemplos misturados aos mecenatos, seja para minimizar a imagem de agiotas, seja para influenciar o plano diretor de grandes cidades, como Belo Horizonte, por exemplo.

Imagine que um bem-sucedido esquema de rachadinhas, aquisição de vacinas inexistentes ou de máscaras não entregues, permita a um candidato a ditador comprar a simpática Ponte Preta e transformá-la numa potência.

Eis a novidade nem tão nova que uma offshore aqui e outra ali permitem sem causar grandes escândalos, anestesiados que estamos tantos, cínicos e hipócritas que são outros tantos.

Se o que o milionário russo Roman Abramovich, em busca de reconhecimento social, fez do Chelsea foi apenas mais do mesmo no nebuloso submundo do capitalismo, de lá para cá vimos o PSG e o Manchester City, para ficar em dois exemplos, sendo comprados por dinheiro de ditaduras como as do Qatar e dos Emirados Árabes.

Danem-se as vítimas delas, festejem os torcedores as glórias permitidas pelo dinheiro ensanguentado.

Agora chegou a vez do Newcastle, comprado pelo assassino que infelicita a Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, com quem Jair Bolsonaro já declarou ter “certa afinidade”, acusado de ter mandado esquartejar o jornalista Jamal Khashoggi.

Quando o Reino Unido se curva perante moedas tão sujas, quando a orgulhosa França se dobra, a Cidade Luz se apaga diante do catariano Nasser Al-Khelaifi, é porque todos e quaisquer princípios éticos foram chutados a escanteio e nada mais importa.

Como não incomodou à Fifa, então presidida por João Havelange, fazer uma Copa do Mundo na Argentina sob a ditadura Videla, em 1978, decidida no estádio Monumental de Núñez, a 500 metros da prisão em que eram torturados e mortos os opositores do regime.

Ano que vem, outra ditadura abrigará nova Copa, embora em situação menos dramática, mais “normalizada”, à custa de trabalho escravo e outras barbaridades desumanas.

E o Newcastle deverá consagrar definitivamente uma nova ordem, não a dos românticos castelos medievais onde tantas violências eram cometidas em suas masmorras, mas a em que o grito de gol soa mais alto que o da barbárie.

É triste, desalentador, um chute no estômago de quem ama o futebol.

Como seguir amando?

Com a crença de que o sacrifício de Vladimir Herzog e Jamal Khashoggi não foi em vão ao ver o Nobel da Paz entregue aos jornalistas Maria Ressa e Dmitry Muratov, ela filipina, ele russo. Prêmio que ficaria muito bem também nas mãos de Patrícia Campos Mello.

Porque é a obstinação, a teimosia, a busca permanente da verdade, a luta antirracista, contra todo e qualquer preconceito, o combate às notícias falsas, a luta incessante pela democracia que permitirá, um dia, o mundo ser melhor.

E por causa, o futebol.

Que, como sabem a rara leitora e o raro leitor, não se mistura com política…

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