Juca Kfouri

Jornalista, autor de “Confesso que Perdi”. É formado em ciências sociais pela USP.

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Juca Kfouri
Descrição de chapéu Campeonato Brasileiro

Gabriela, dor e sequela

A morte da torcedora palmeirense não pode ser mais uma que amanhã será esquecida

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Gabriela é Sonia Braga.

Gabriela é o romance de Jorge Amado.

Gabriela é a modinha de Dorival Caymmi.

"Quando eu vim para esse mundo/Eu não atinava em nada/Hoje eu sou Gabriela."

Não é mais só o que o Brasil tem de melhor.

Gabriela é agora a lembrança do que o país tem de pior.

Gabriela é a dor da morte estúpida de uma garota que ao ir se divertir no moderno estádio alviverde não voltou para casa.

Gabriela é a mais nova sequela da violência do Brasil doente, e o drama hoje vivido por sua família transcende o futebol.

Gabriela Anelli, de 23 anos, torcedora do Palmeiras ferida em confusão no jogo entre o clube paulista e o Flamengo morreu nesta segunda-feira (10)
Gabriela agora é a dor da morte estúpida - Reprodução/Redes sociais

Mata-se e morre-se nos bares, nas estradas, em brigas de trânsito, em discussões políticas, nas escolas, nas periferias das cidades, onde jovens, principalmente negros, são vítimas diárias da barbárie.

Vivemos em estado permanente de guerra em meio ao acesso irresponsável e indiscriminado às armas.

Como a solução é enorme desafio, as saídas fáceis abundam nas cabeças superficiais.

Fechar as torcidas organizadas é apenas mais uma delas, embora todos os trabalhos sérios produzidos nas universidades brasileiras revelem que não passam de 7% os seus membros violentos, todos identificados, a maioria impunes.

Busca-se, como no tráfico de drogas, o pequeno infrator da favela, e são poupados os chefes no asfalto à beira-mar, nos gabinetes refrigerados, nas salas dos cartolas dos clubes de futebol.

Países outros viveram e vivem dramas semelhantes com a intolerância de torcedores.

Os que tiveram vontade política e competência conseguiram minimizar o problema no limite do possível, e os estádios, e entornos, deixaram de ser zonas beligerantes.

Redundante lembrar tantas mortes anteriores e o esquecimento delas em seguida porque assim caminham os fatos em nossa sociedade que empilha escândalo sobre escândalo, misérias sobre misérias, até que surjam outros, até que apareçam outras.

Diante da impotência depois de mais de quatro décadas investigando o tema, expondo providências, pedindo respostas, participando de discussões, publicando estudos e pesquisas e revelando relatórios, resta a indignação frente à inoperância das autoridades.

A empatia nos faz sentir na pele o que vivem hoje os Anelli Marchiano, a família de Gabriela.

Resta a indignação frente à inoperância das autoridades - Rubens Cavallari - 11.jul.23/Folhapress

Em 1993, dois de meus filhos, de 19 e 17 anos, foram confundidos como adversários e cercados por torcedores do próprio time.

O prejuízo se limitou à capota do carro amassada, mas, naquele dia, arrependi-me de passar a eles a mesma paixão passada a mim por meu pai. Tivesse acontecido algo grave, e não viveria o suficiente para pagar minha culpa.

Meus filhos não deixaram de frequentar as arquibancadas, e o futebol seguirá adiante.

A morte da primeira torcedora e a comoção causada exatamente por ser uma mulher talvez se transformem em marco para, enfim, mobilizar os três Poderes em busca das saídas que existem.

Em vez de cogitar fazer troca no Ministério do Esporte, melhor será juntar os esforços dos ministros que funcionam, como Ana Moser, e o da Justiça, Flávio Dino, para fazer novamente dos nossos estádios palcos de convivência civilizada e alegre.

Nos quais Gabriela possa ser lembrada como mártir da paixão que existe para celebrar a vida.

Enterrar os cultuadores da morte é missão para ontem, e impedir que a de Gabriela seja em vão é obrigação de todos.

Nós somos Gabriela!

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