Juliano Spyer

Antropólogo, autor de "Povo de Deus" (Geração 2020), criador do Observatório Evangélico e sócio da consultoria Nosotros

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Juliano Spyer

Um pastor busca pontes entre a esquerda e evangélicos conservadores

O maior desafio é criar canais de aproximação fora do período eleitoral

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Localizado a 30 quilômetros de Copacabana, Jardim Gramacho abrigou o maior lixão da América Latina por 34 anos. Até seu encerramento, em 2012, cerca de 800 caminhões despejavam diariamente suas cargas ali.


É lá que Vladimir de Souza conduz um experimento: ele quer mostrar como a esquerda pode se conectar com evangélicos pobres e conservadores no campo dos costumes, que hoje se identificam ideologicamente com a direita.

Vladimir é pedagogo e pastor de formação batista. Ele avalia que "a maior dificuldade da esquerda será abrir mão de um olhar eleitoreiro e criar canais de aproximação intencional com evangélicos fora dos períodos eleitorais". Porque "aparecer na véspera da eleição é um gesto oportunista e as pessoas percebem isso", conta.

Vladimir diz que recebeu pedidos para levar pastores do Jardim Gramacho a um encontro com Lula na campanha de 2022. "Há uma resistência terrível com o PT nesse campo e eu estou fora dessas atividades em véspera de eleição."

A fala de Mano Brown no último comício do PT em 2018 continua ecoando nos ouvidos de Vladimir. "Se não conseguir falar a língua do povo, vai perder mesmo", profetizou Brown. "Falar bem do PT para torcida do PT é fácil. Tem uma multidão que precisa ser conquistada ou vamos cair no precipício."

Jardim Gramacho, que já foi chamado de "cidade do lixo", está na borda desse precipício. O fechamento do lixão deveria ter melhorado a vida dos moradores, mas, na prática, piorou. Eles seguem sem ter acesso a água e saneamento, perderam sua fonte de renda como catadores e se tornaram invisíveis porque, sem as imagens de seres humanos disputando restos em um mar de sacolas plásticas, as câmeras de TV perderam o interesse pelo local.

A base de atuação de Vladimir é a Igreja Cristã Redenção Baixada, uma comunidade inclusiva, ou seja, que acolhe pessoas LGBT. Mas quando ele está entre pastores de Jardim Gramacho, não debate temas da pauta de costumes nem da política. "Lá nós oferecemos cuidado para garantir o mínimo de dignidade para os moradores", ele explica. "E quando dialogamos nesse canal do acolhimento, a lógica da polarização perde a força."

É uma estratégia lúcida e coerente, mas projetos como esse precisam existir em escala nacional para atenuar o chamado "antipetismo pentecostal".

Para isso acontecer, há algumas perguntas que pedem respostas. Por exemplo: como medir o impacto dessas iniciativas em termos da rejeição a candidatos da esquerda? E será que as lideranças progressistas conseguirão ver, além da pauta de costumes, as pessoas que estão nessas igrejas das periferias?

Catadores aguradam caminhão descarregar lixo no lixão do Jardim Gramacho, em 2010 - Rafael Andrade - 21.nov.10/Folha Imagem

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.