Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

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Katia Rubio
Descrição de chapéu Coronavírus

Talvez estejamos diante do maior dos desafios da história olímpica

Não há um impedimento material claro para a suspensão dos Jogos, mas sim moral

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Em meio a uma pandemia que assola o planeta, diante das inúmeras mortes já provocadas e um clima de terror que faz lembrar filmes de ficção catastróficos, amigos espalhados pelo mundo oferecem informação sobre o que acontece em tempo real.

Escolas e universidades fechadas, equipes médica e de enfermagem desfalecendo de tanto trabalhar pelo bem-estar de doentes, relatos de pessoas que demonstram que nos momentos de tragédia se observa o limite da humanidade e também da escória.

Chama olímpica é acesa na Grécia em meio ao temor pelo coronavírus
Chama olímpica é acesa na Grécia em meio ao temor pelo coronavírus - Vassilis Psomas/Reuters

Se vivemos em um sistema onde tudo estabelece uma interdependência, queiramos ou não, é preciso então olhar por quem está em volta. Sejam os doentes ou os saudáveis.

O esporte, como um fenômeno social, não poderia ficar alheio a isso. Discute-se a suspensão de jogos esportivos e campeonatos. Contabilizam-se os prejuízos com o cancelamento dos jogos da NBA, da Libertadores, de campeonatos estaduais de futebol, preocupados todos com os prejuízos que esses grandes negócios poderiam sofrer.

Em anos de Jogos Olímpicos, era de se esperar que os olhos e corações de todos os atletas do planeta se virassem para o Japão, onde a próxima edição olímpica ocorrerá.

Espetáculo para ser realizado apenas de quatro em quatro anos, exigiu do poder público e da iniciativa privada um esforço que poucos países e cidades conseguem entender.

A vivência da experiência olímpica transcende a competição ou o negócio. Ela trata de uma rara oportunidade de se chegar o mais próximo possível daquilo que os seres humanos podem imaginar sobre a imortalidade.

Tive a oportunidade de conhecer e entrevistar vários atletas que foram campeões mundiais em suas modalidades.

Alguns deles chegaram a esse patamar mais de uma vez. Ganharam não apenas campeonatos, mas também todos os prêmios materiais que essa conquista podia lhes proporcionar. Vários deles não chegaram ao lugar mais alto do pódio olímpico e isso, nessas histórias, parece ser um buraco existencial sem fim. Algo que não tem terapia nem remédio.

Digo isso para justificar que a discussão sobre a realização ou não dos Jogos Olímpicos não será apenas a interrupção de um calendário instaurado como sagrado. Uma agenda construída sobre uma tradição milenar não está afeita a conveniências comerciais ou distúrbios sanitários. Foi assim ao longo do século passado.

A questão agora é saber se assim se manterá ou se uma nova tradição será criada.

Organizadores e realizadores ainda são categóricos em afirmar que os Jogos acontecerão, de qualquer forma. A chama olímpica já foi acesa e começa a percorrer o caminho rumo a Tóquio.

Há quatro anos, pude observar em Olímpia todo o impacto do ritual inventado em 1936, tanto nas pessoas mais próximas ao centro da celebração quanto no público que se acotovelava pelos caminhos por onde a tocha passaria.

Isso quer dizer que, apesar de toda a exploração daquele ritual para fins outros que não a participação da deusa Hera no ritual consagrado a seu esposo Zeus, a magia contida ali permanece viva.

Esse talvez seja o maior argumento para ainda não terem decretado a suspensão ou o adiamento definitivo da edição olímpica deste ano.

Há questões de ordem comercial, mas há ainda, entre os mais românticos, a ideia de que é preciso afirmar o rito.

Talvez estejamos diante do maior dos desafios da história olímpica. Não há um impedimento material claro para a sua suspensão.

A questão seria de ordem moral, maior dos desafios contemporâneos.

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