Katia Rubio

Professora da USP, jornalista e psicóloga, é autora de "Atletas Olímpicos Brasileiros"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Katia Rubio
Descrição de chapéu Tóquio 2020

Daiane, Jade e Daniele inspiraram Rebeca a perseguir desejo de ser campeã

Ginastas serviram de referência por desafiarem condições e seguirem tentando

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Era uma vez uma celebração chamada Jogos Olímpicos.

Na Antiguidade, representava um encontro de homens com habilidades físicas testadas na guerra. Em nome de suas cidades, exercitavam o agón, toda luta na qual se enfrentam dois adversários, como desafios de força ou de destreza, debates em assembleias públicas, processos perante a Justiça, rivalidades no campo de batalha e, sobretudo, concursos de todo tipo que acompanham as grandes festas nacionais e religiosas.

Daí o termo agonística ter o significado de luta, de disputa atlética, e agón ter sentido de assembleia, reunião. Ou seja, os Jogos eram tidos como um grande certame agonístico, graças ao espírito competitivo de luta e de superação.

A areté, que pode ser traduzida como virtude, era um valor que no presente pode ser entendido como fair play. No passado, esse valor não era aprendido tanto pela transmissão de normas de conduta, mas pela prática da vida de pessoas valorosas.

O vigor, a saúde, a beleza, a força e a destreza são consideradas expressões da areté do corpo. Por outro lado, a sagacidade, a bondade, a prudência, o senso de justiça, o amor às artes e a agudeza mental eram consideradas areté do espírito.

Tendo a afirmar que se os Jogos Olímpicos da Era Moderna guardam alguma relação com os Jogos do passado é justamente na pregnância mítica do agón, que heroiciza atletas que realizam os grandes feitos e alcançam o pódio. Mas o que mais me encanta é a materialização da areté, que é a prática da virtude, seja ela como expressão do corpo ou do espírito.

Se observo o pódio com seus únicos três lugares a consagrar os agonistas, afirmando-os como heróis, assisto com prazer à prática da areté entre todos os demais que afirmam a realização do seu melhor, independentemente do resultado.

Digo isso porque o movimento próximo da perfeição depende de treino, treino, treino, uma dose de azar que leve o adversário ao erro e uma pitada de sorte para que tudo ocorra exatamente como planejado.

Há ainda que se render ao desempenho iluminado de alguém que treinou, treinou, treinou, não contou com o azar e ainda recebeu a pitada de sorte, tornando-se reconhecidamente superior. E aí está a beleza da competição. Reconhecer que outro atleta naquele dia, naquele lugar, estava melhor.

É aí que a competição se torna celebração. Troca de prazeres. Possibilidade de aprendizagem. Pura transcendência.

Mesmo sabendo que é amargo o gosto da derrota, há prazer em realizar o sonho de competir contra um ídolo.

Daiane dos Santos executa exercício de solo nas Olimpíadas de Atenas, em 2004
Daiane dos Santos executa exercício de solo nas Olimpíadas de Atenas, em 2004 - Dylan Martinez - 15.ago.2004/Reuters

Ao longo dos Jogos Olímpicos de Tóquio, ouvi muitos relatos sobre atletas inspiradores. Mesmo derrotados, inspiraram a atual geração simplesmente por existirem. Por desafiarem as condições daquele presente inóspito e seguirem tentando.

Daiane dos Santos, Jade Barbosa e Daniele Hypólito levaram Rebeca Andrade a perseguir o desejo de vir a ser a campeã que ela agora é. Gustavo Borges e Cesar Cielo contribuíram para que Bruno Fratus não desistisse mesmo quando tudo fazia crer que não seria possível.

Mulheres quenianas foram a Tóquio e não ganharam nenhum set na competição, mas enfrentaram as bicampeãs olímpicas no voleibol. Certamente, ali realizaram o sonho de jogar, não contra, mas com seus ídolos. E assim se vive a utopia. E se afirma a potência do esporte como transformação. No melhor espírito olímpico.

Espero viver para ver quenianas, logo ali no futuro, brilhando nas quadras como brilham as corredoras pelas pistas e ruas de todo o mundo.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.