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A prisão do principal opositor e a deriva ditatorial na Bolívia

Direitos políticos do governador de Santa Cruz foram não apenas restringidos, mas também suprimidos

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José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político e membro do Centro de Pesquisa Política da Faculdade de Direito da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno, em Santa Cruz de la Sierra (Bolívia)

Sob a falsa tese de um golpe de Estado (crise política de 2019), a ex-presidente Jeanine Añez foi detida e encarcerada em março de 2021.

Quase dois anos depois e partindo da mesma tese, Luis Fernando Camacho, o governador do departamento autônomo com maior poder econômico da Bolívia, foi apreendido (sequestro estatal) e detido preventivamente por quatro meses. Ele é acusado de terrorismo.

Esse ato, cometido por agentes policiais em 28 de dezembro, revelou a deriva ditatorial do governo Arce e provocou uma reação cidadã em Santa Cruz, mediante o bloqueio de ruas, incêndios em instituições públicas (Ministério Público, comando policial e Poder Judiciário, impostos nacionais, entre outros) e a casa de um ministro de Estado, e enfrentamentos com a polícia.

Mulher segura retrato do oposicionista Luis Fernando Camacho durante protesto em Santa Cruz de la Sierra depois da prisão do governador
Mulher segura retrato do oposicionista Luis Fernando Camacho durante protesto em Santa Cruz de la Sierra depois da prisão do governador - Agustin Marcarian - 2.jan.2023/Reuters

Como podemos entender a deriva ditatorial do presidente boliviano expressa com a apreensão de um governador autônomo eleito pelo voto dos cidadãos?

A apreensão do governador de Santa Cruz pode ser entendida como indicativo da deriva ditatorial do governo boliviano, uma vez que seus direitos políticos foram não apenas restringidos, mas também suprimidos.

Em outras palavras, a partir do vértice da pirâmide, o poder central decidiu pela liberdade política de um governador autônomo sem intermediação ou contrapesos institucionais que limitem ou restrinjam os abusos do monopólio da violência do Estado.

Para entender esse acontecimento de alto impacto, que reflete a debilidade institucional da democracia na Bolívia, é pertinente reconhecer quatro fatores que o configuram: jurídico, político-partidário, polarização e auto-organização cidadã.

De acordo com especialistas na área jurídica, cinco ilegalidades foram cometidas com a apreensão de Camacho.

Sequestro: seu direito à defesa e à notificação prévia foi violado; violência excessiva foi usada e não tinha uma acusação formal, além de estar no meio do feriado judicial; não houve um delito penal, já que o suposto delito de terrorismo é vago e ambíguo; ele foi transferido para La Paz quando reside em Santa Cruz; e houve desaparecimento forçado, já que se violaram seus direitos à liberdade física, integridade pessoal, integridade moral psicológica e à saúde.

A luta interna no MAS entre a ala radical de Evo Morales e a ala renovadora de Luis Arce se aprofundou ao ponto de trazer à tona alegações de corrupção e narcotráfico na gestão de ambos os líderes do partido que governa desde 2006. Entretanto, a falsa tese de um golpe de Estado em 2019 é comum em ambas as alas e lideranças.

Portanto, a detenção de Camacho pode ser traduzida em um troféu político para o presidente que simboliza, no âmbito de sua falsa tese, a queda do "golpista oligárquico da direita" e, por conseguinte, um sopro de ar fresco com as massas.

De uma perspectiva afetiva, a polarização é um processo de permanente conflito entre nós e eles. Ou seja, um cenário no qual as elites governantes decidem pelo confronto e deixam de lado a cooperação, questionam a legitimidade de certas instituições públicas e provocam conflitos entre os cidadãos mediante temas que dividem e mobilizam porque, estrategicamente, a fragmentação é mais favorável do que o consenso.

Sob esse marco conceitual, fica claro que o sequestro estatal do governador de Santa Cruz alimenta a polarização porque outorga benefícios ao MAS como partido em função de governo, que, aliás, está sofrendo a evolução constante de uma divisão interna.

O permanente conflito de "nós" contra "eles" fomentado pela elite dominante tem sido uma circunstância favorável para a auto-organização cidadã em Santa Cruz e seu protesto político contra os abusos do poder central do Estado.

De 22 de outubro a 25 de novembro de 2022, houve uma greve de atividades públicas e privadas, com bloqueios de ruas e estradas no departamento, exigindo a reprogramação do censo da população e habitacional antes de 2025 –o ano das eleições gerais– que atingiu seu objetivo.

O presidente da Bolívia, Luis Arce, e Lula cumprimentam-se no Itamaraty
O presidente da Bolívia, Luis Arce, em encontro no Itamaraty com Lula - Pedro Ladeira - 2.jan.2023/Folhapress

Com a apreensão e detenção preventiva de Camacho, o governo Arce tocou uma veia de alta sensibilidade ideológica e identitária porque não respeitou a investidura de um representante político que venceu as eleições com mais de 50% dos votos e encarna os valores culturais da região.

Em outras palavras, fortaleceu ideologicamente a fronteira histórica entre Santa Cruz e o Estado central, dirigido a partir de La Paz.

Em conclusão, sob a falsa tese do golpe de Estado, que na realidade foi uma crise política gerada pela renúncia e fuga de Evo após cometer fraude eleitoral, as instituições democráticas estão mais debilitadas do que nunca pelo comportamento político do atual governo nacional.

A deriva ditatorial de Arce, manifestada no sequestro estatal de Camacho (governador autônomo) e no roubo de sua liberdade política, é um terrível sinal político para a esperança de convivência democrática e respeito às diferenças ideológicas na Bolívia.

É um sinal sombrio que a América Latina deve levar a sério a fim de colocar limites a tal situação.

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