Laura Carvalho

Professora da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da USP, autora de "Valsa Brasileira: do Boom ao Caos Econômico".

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Laura Carvalho

Soluções de manual entram em choque com a realidade argentina

Mundo real dificilmente se adaptará a elas, menos ainda as economias latino-americanas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Diante da desvalorização rápida da moeda, que não cedeu após as sucessivas elevações da taxa de juros e a venda de US$ 5 bilhões em reservas internacionais na semana passada, a Argentina anunciou que tomará um empréstimo de US$ 30 bilhões no FMI

A medida, que pode não ser suficiente para evitar uma corrida contra o peso e mais uma crise de balanço de pagamentos no país, tem suscitado críticas à política econômica do presidente Mauricio Macri.

Queridinho dos agentes de mercado mundo afora, a estratégia perseguida pelo governo Macri foi de ajuste gradual das contas públicas, elevação das taxas de juros como forma de controlar a inflação e reajuste dos preços administrados que vinham sofrendo represamento. As medidas serviriam para reduzir a dívida pública, estabilizar preços e eliminar distorções de mercado.

Na prática, a equipe econômica argentina vem se deparando com um mundo muito mais complexo. As elevações dos juros, que, assim como no Brasil, acabam funcionando sobretudo como forma de atrair capital estrangeiro e, assim, ancorar a inflação pela valorização da moeda, tiveram o efeito colateral de agravar a dinâmica de endividamento público e externo.

Ainda assim, a inflação não caiu tanto quanto se esperava e continuou acima de 20%, o que se deve ao próprio reajuste das tarifas e à espiral salários-preço que sempre marcou as economias com alta memória inflacionária, nas quais trabalhadores e empresários atuam para não perder poder de compra e margem de lucro, respectivamente.

Nesse contexto, a expectativa de elevação dos juros pelo banco central americano, que levou à reversão dos fluxos de capitais nos mercados financeiros internacionais e à valorização do dólar mundo afora, criou uma situação nada inédita, mas que não costuma estar na cabeça dos que creem cegamente na eficácia do tripé macroeconômico em meio à globalização financeira.

O que fazer diante de uma fuga de capitais gerada por choques externos, que desvaloriza a moeda e exerce pressões inflacionárias? Deixar o câmbio flutuar livremente, reequilibrando o balanço de pagamentos à custa de uma aceleração da inflação e do aumento imediato da dívida —pública e privada— denominada em dólar, ou tentar frear essa desvalorização à custa da elevação dos juros e/ou da venda de reservas internacionais?

Após optar pela segunda via, o governo argentino agora tenta frear a espiral de autorreforço das expectativas de desvalorização da moeda que poderiam facilmente levar ao esgotamento das reservas internacionais do país e a uma crise cambial ainda maior.

Há os que ainda tentam encontrar formas de adaptar uma realidade complexa às suas teorias e argumentam que o drama teria sido evitado se Macri tivesse adotado uma forma mais rápida de ajuste fiscal, o que reduziria a dinâmica perversa entre elevação dos juros, valorização do dólar e dívida pública.

No Brasil, a promessa de ajuste rápido desde janeiro de 2015 nem sequer levou à estabilização de uma dívida pública que, para a nossa sorte, é quase toda denominada em moeda doméstica.

Diante da dívida ainda em alta e da queda de mesma magnitude do PIB em 2016, o nosso dream team teve de apelar para políticas keynesianas temporárias de estímulo ao consumo via saques de FGTS e PIS-Pasep para obter algum crescimento.

Moral da história: desconfie de quem apresenta soluções de manual de introdução à economia. O mundo real dificilmente se adaptará a elas. As economias latino-americanas menos ainda.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.