Descrição de chapéu
Argentina Maurício Macri

Nova ida ao FMI mostra que argentino não tem confiança na sua moeda

Se os argentinos não confiam, menos ainda o farão os investidores estrangeiros

Presidente da Argentina, Mauricio Macri - AFP
Clóvis Rossi
São Paulo

O argentino não confia na moeda local, chame-se como se chame. É um dado histórico. Por isso, a qualquer turbulência, como a queda em curso das moedas dos emergentes, corre para o dólar.

O inescapável passo seguinte é pedir socorro ao FMI, como fez o presidente Mauricio Macri nesta terça-feira (8).

É outro passo com longa história: o primeiro acordo foi assinado em 1958, claro que em dimensões modestas (US$ 75 milhões, em valores da época), se comparadas com o deste momento (o jornal Clarín fala em US$ 30 bilhões).

Se os argentinos não confiam, menos ainda o farão os investidores estrangeiros. Tanto é assim que o governo teve de torrar US$ 5,4 bilhões em cinco dias da semana passada para tentar evitar uma disparada do dólar. Não funcionou.

O governo resolveu, então, jogar os juros para obscenos 40% e ainda anunciou um corte na previsão de déficit fiscal de 3,2% do PIB para 2,7%.

Nem todo esse arsenal impediu que, nesta terça-feira, o governo jogasse a toalha e recorresse ao FMI, um organismo que não goza precisamente de afeto na América Latina.

Funcionará? O ex-presidente uruguaio Júlio María Sanguinetti, com a experiência de quem conviveu com muitos momentos de aflição na economia do vizinho, comenta com a Folha que há duas maneiras de olhar a iniciativa de Macri: do ponto de vista do mercado, pode de fato servir para brecar o frenesi em torno do dólar.

Mas, do político, o resultado só pode ser negativo.

De fato, Juan Gabriel Tokatlian, diretor do Departamento de Ciência Política e Estudos Internacionais da Universidade Torcuato di Tella, da Argentina, explode com a Folha: "A Argentina vai ser a Grécia da América Latina".

As reações de políticos e economistas confirmam a previsão de Sanguinetti. Ricardo Alfonsín, da União Cívica Radical que esteve aliada com Macri, diz que as condições que o Fundo costuma impor para dar crédito "podem ser, com o tempo, um remédio muito pior que a enfermidade".

O economista Guillermo Nielsen, que milita no grupo de Sérgio Massa, peronista dissidente do kirchnerismo e que em geral colabora com Macri, tuitou: "Ir ao FMI com reservas de mais de US$ 55 bilhões é muito raro. Mostra um país incapaz de corrigir-se sozinho, apesar de contar com recursos importantes".

É uma outra maneira de dizer que até o governo desconfia da capacidade da Argentina de fazer frente ao dólar.

Ainda do ponto de vista político, o recurso ao Fundo de certa forma encerra a lua de mel — já arranhada — que Macri conseguiu com os setores empresariais e políticos à direita do centro. É o que constata Margarita Stolbizer, que foi candidata presidencial, crítica do kirchnerismo e que diz agora: "O anúncio do presidente assusta. Ou não estão nos contando tudo ou traem de maneira desleal a expectativa que construíram".

Tudo somado, só se pode dar razão a Ezequiel Burgo, jornalista do Clarín, quando lembra que o ministro da Economia, Nicolás Dujovene, tentou justificar o pedido de empréstimo dizendo que o Fundo mudara. Emendou Burgo: "O único que parece não ter mudado é a economia argentina".

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