Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Professor que estimou morte de crianças na reabertura das escolas admite erro e culpa 'empolgação'

Projeção de 17 mil óbitos foi reproduzida, pressionou governo de SP e apavorou pais

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O professor Eduardo Massad, que estimou a morte de 17 mil crianças no Brasil por Covid-19 se as escolas brasileiras reabrissem, enviou um e-mail ao governo de São Paulo afirmando ter se enganado.

“Acho que foi na empolgação da discussão”, escreveu na mensagem, à qual a coluna teve acesso. A declaração com essa estimativa havia sido dada em uma live do Canal Butantan e divulgada na semana passada por uma revista especializada e por telejornais. Ao se disseminar por grupos de WhatsApp, gerou pânico entre pais.

No e-mail, o professor, que leciona na faculdade de matemática aplicada da FGV-RJ e é formado em medicina e física, admite: “Quando afirmei que morreriam 17 mil crianças eu me enganei por um fator de dez vezes. O número correto que estimei é de 1.557. Acho que foi na empolgação da discussão”.

Na sexta-feira (17), o secretário de Educação de São Paulo, Rossieli Soares, afirmou em entrevista coletiva que o matemático havia informado ter se equivocado. Após essa entrevista, contudo, o professor, em troca de mensagens com a coluna, disse que 1.557 mortes ocorreriam em duas semanas de aulas e 17 mil mortes, ao longo de toda pandemia.

Em um Power Point que ele enviou ao governo paulista com os seus cálculos, no entanto, ao qual a coluna também teve acesso, Massad coloca como conclusão que a sua projeção não se presta a um longo prazo e reconhece estar sujeita a “enormes incertezas”: “Enfatizamos que esses resultados são sujeitos a enormes incertezas pois se baseiam em modelos matemáticos que só permitem projeções aproximadas e por curto espaço de tempo”.

O e-mail e o Power Point foram enviados ao governo após a repercussão da live, quando a secretaria de Educação de São Paulo o procurou para entender sua projeção. A resposta do professor circulou entre funcionários do governo, além do documento com os números. São ao todo 12 slides, dois com as premissas, nove com gráficos e um com a conclusão.

Ele parte de dados de contaminação atuais da população total brasileira para projetar um aumento diário no número de contágios e de mortes. Usa uma data hipotética para a reabertura, 1º de agosto, que não é considerada para a retomada da educação em diversos estados, inclusive em São Paulo, que planeja a reabertura escalonada só a partir de 8 de setembro mediante condições.

O professor também não leva em conta a curva da pandemia nem condições específicas da suscetibilidade das crianças ao vírus, apontada como baixa por diversas pesquisas internacionais. Dados globais registram ainda que as mortes nessa faixa etária são raras e normalmente associadas a doenças pré-existentes.

No e-mail ao governo, Massad admite que não seriam apenas as crianças consideradas em seus cálculos, mas alunos de 1 a 19 anos. Afirma ainda se basear em dados do Brasil como um todo e pondera que estimativas locais “poderiam diferir bastante”.

O terror gerado pelos números do professor da Fundação Getúlio Vargas jogou um banho de água fria na possibilidade de se flexibilizar o plano de retomada da educação em São Paulo, que prevê que todas as regiões estejam há pelo menos 28 dias na terceira fase da reabertura, a amarela —algo que ainda não ocorreu.

O governo sente a pressão para manter as escolas fechadas em razão do medo da contaminação. Por outro lado, pesa o fato de muitos pais que voltaram a trabalhar presencialmente não têm com quem deixar os filhos e que o confinamento amplia riscos de subnutrição e de violência doméstica, inclusive de abusos sexuais. Isso sem falar que o ensino remoto não é uma realidade para todos e está longe de ser tão eficiente quanto o presencial.

Ao final de junho, um documento da Academia Norte-Americana de Pediatria defendeu que se equilibre os riscos da Covid-19 aos do confinamento. Enfatizou graves problemas da saúde mental em crianças e adolescentes confinados, inclusive o aumento de depressão e de pensamentos suicidas. É esse xadrez assustador que deverá ser considerado nos próximos passos da retomada da educação no Brasil

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