Laura Mattos

Jornalista e mestre pela USP, é autora de 'Herói Mutilado – Roque Santeiro e os Bastidores da Censura à TV na Ditadura'.

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Aulas presenciais, divertidas e com menos risco de contágio; a estratégia de Jundiaí

Cidade do interior de SP aposta em aulas ao ar livre sob árvores após meses de ensino remoto por causa da pandemia

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Como receber alunos presencialmente com menos risco de contágio, acolhê-los e motivá-los em meio a tanto sofrimento e depois de quase um ano afastados da escola? Essa pergunta levou Jundiaí a transformar em política pública uma ideia que encanta educadores de vanguarda: aulas ao ar livre.

O ano letivo começa em 1º de fevereiro com as 108 unidades da rede municipal de ensino ocupando espaços abertos, desde a própria quadra, um jardim ou o pátio da escola, até centros esportivos, parques e praças.

Parque Mundo das Crianças, inaugurado em dezembro em Jundiaí (interior de São Paulo), servirá como espaço para aulas presenciais na pandemia
Parque Mundo das Crianças, inaugurado em dezembro em Jundiaí (interior de São Paulo), servirá como espaço para aulas presenciais na pandemia - Divulgação

No país que bateu o triste recorde de tempo de escolas fechadas na pandemia, a cidade paulista, a 58 km da capital e com cerca de 400 mil habitantes, é pioneira na estratégia de retomar as aulas presenciais com um mapeamento de áreas abertas para o aprendizado.

Haverá também o ensino a distância e dentro das salas tradicionais, mas o plano é oferecer o maior número de aulas, inclusive de disciplinas regulares, como matemática, história e português, para espaços abertos.

O projeto Desemparedamento da Escola foi adotado com apoio do Instituto Alana, ONG de defesa dos direitos da criança, que formou e treinou equipes integradas por diferentes áreas além da educação, como saúde, esportes, cultura e urbanismo.

As escolas usarão preferencialmente os locais mais próximos, para os quais as turmas irão caminhando. Essa ocupação das redondezas ganhou um nome poético, Voa Pé. O jogo de palavras reflete quão potente é a ação, aparentemente simples, de fazer com que a criançada circule pelas ruas do bairro.

Ir a pé evita riscos maiores de contágio e os custos do transporte coletivo e faz com que, passo a passo, o aluno conheça melhor a cidade e perceba como faz parte da comunidade. De quebra, as crianças praticam atividade física e tomam sol após quase um ano confinadas e presas à tecnologia.

Haverá também deslocamentos de ônibus, que terão de seguir protocolos da saúde, como limpeza e limitação do número de ocupantes. Escolas de diferentes localidades levarão alunos para um parque inaugurado em dezembro e voltado à infância, o Mundo das Crianças. Com 170 mil m2, tem quadras, praças, casa na árvore, ciclovias, parede de escalada, parkour, trilhas para observar animais e um riacho para brincar.

Um lugar como esse, da mesma forma que tantos outros parques e praças que podem virar salas de aula abertas, não serve “apenas” para se divertir e se movimentar. Dá para aprender de tudo. Na próxima semana, em Jundiaí, haverá palestras com educadores especializados em transpor conteúdos dos livros didáticos para espaços ao ar livre.

Eliane Reame, por exemplo, doutora em ensino de matemática pela USP, defende que os elementos de um jardim são ferramentas valiosas no aprendizado da geometria. “Vamos trabalhar os conteúdos curriculares ao ar livre. Temos que pensar em adaptações, como o uso de pranchetas. Áreas verdes são muito mais ricas do que a sala de aula tradicional, e a pandemia nos obrigou a, literalmente, pensar fora da caixa”, afirma Vastí Ferrari Marques, gestora de educação de Jundiaí.

A cidade faz parte da região de Campinas, que por ora está na fase amarela do plano SP da Covid-19. Pela regra estadual, escolas de municípios nesse estágio podem receber até 70% dos alunos presencialmente. Mas Jundiaí, da mesma forma que a capital, optou por restringir a 35%.

De qualquer modo, diante da piora da pandemia, nesta sexta-feira (22), o governo deverá reclassificar as regiões, ampliando a regressão para as fases laranja e vermelha, nas quais são permitidos 35% dos alunos nas escolas.

Nesse cenário de restrições, aulas em áreas abertas podem ser um bom respiro, com menor risco de transmissão da Covid-19 e maior potencial para acolher alunos e professores com a saúde mental vulnerável em razão do luto, do desemprego e de outras perdas da pandemia.

Essa e outras estratégias para educar neste cenário tão inóspito serão tema do evento No Chão da Escola, do Instituto Alana, que vai transmitir on-line e gratuitamente, de 26 a 28 de janeiro, debates com secretários de educação, gestores escolares, professores e pesquisadores de diferentes áreas.

Fica cada vez mais evidente para educadores que será um tiro no pé correr com o calendário e com o conteúdo curricular neste momento. A hora é de priorizar o acolhimento, o vínculo com as famílias e a consciência de que a escola precisa, mais do que nunca, discutir e atuar contra problemas antigos que se evidenciaram neste último ano, como a desigualdade social, a violência doméstica e o racismo.

O tema do último dia do seminário é a esperança e como podemos nutri-la em tempos tão difíceis. Pensar que uma criança poderá sair da sala de aula apertada e sem graça e se sentar na grama, debaixo de uma árvore, para trocar ideias com professores e com a sua turma sobre a vida ou sobre português e matemática ajuda bastante a acreditar que temos alguma chance de sair melhores desta tragédia toda.

Bom retorno às aulas!

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