Leandro Narloch

Leandro Narloch é jornalista e autor do Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil, entre outros.

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Não se pode comparar comunismo a nazismo. Não?

É difícil ver alguma diferença moral entre malucos que defendem Hitler, Stálin ou Mao

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Uma afirmação frequente nos debates atuais é que não faz sentido o comunismo ser permitido e o nazismo, não. Seria mais coerente proibir essas duas ideologias tenebrosas, a exemplo da Ucrânia e da Polônia (e como defende Eduardo Bolsonaro), ou permitir as duas, como faz os Estados Unidos (e como sugeriram Monark e Kim Kataguiri).

Respostas a essa afirmação vieram à tona nesta semana depois da polêmica do podcast Flow. Afirmou-se que se trata de uma falsa equivalência, pois nazismo e comunismo não estariam no mesmo patamar.

Muitos compartilharam uma entrevista de 2021 com a antropóloga Adriana Dias, para quem há um "hiato gigantesco" entre filósofos como Marx e pessoas que escreviam contra a humanidade, como Hitler.

"Enquanto a ideologia de Karl Marx se tratava de um sistema econômico, o pensamento de Hitler tinha como premissa o extermínio de etnias", diz uma nota publicada nesta semana no UOL pela Fundação Padre Anchieta, gestora da TV Cultura.

Desse ponto de vista, é razoável permitir um e proibir o outro.

O Youtuber Monark - Instagram/monarkoficial

O trecho sobre Hitler todos sabemos que é verdade, mas vamos imaginar, por um minuto, que a Fundação Padre Anchieta também acerta quando trata do marxismo.

Vamos imaginar que Karl Marx não defendeu o extermínio como método, nunca afirmou "só há um meio para encurtar, simplificar, concentrar as terríveis dores da agonia da velha sociedade e as sangrentas dores do nascimento da nova sociedade, só um meio —o terror revolucionário".

E que Engels nunca disse "nada na história se conquista sem violência e crueldade implacável" e nem recomendou "uma batalha, uma ‘batalha de vida ou morte’ contra os eslavos que traírem a Revolução; uma luta de aniquilação e terror cruel —em defesa não dos interesses da Alemanha, mas dos interesses da Revolução".

Vamos deixar essas declarações de lado e supor também que, mesmo sem Marx prescrever o totalitarismo, seria possível chegar à ditadura do proletariado pela via democrática e ao controle dos meios de produção de forma pacífica, sem um projeto totalizante, sem submeter à força quem não compartilhasse a imagem socialista de mundo perfeito.

Ainda assim, adotando a postura bastante duvidosa de isentar o marxismo de qualquer incitação a violência e autoritarismo, não dá para aliviar a barra de quem defende não só o marxismo, mas ditaduras sanguinárias.

Uma coisa é defender ideias marxistas, outra é ser negacionista quanto às dezenas de milhões de mortes causadas pelas ditaduras da União Soviética, China e Cuba.

Se esses regimes "deturparam Marx", por que tantos marxistas ainda os defendem?

Quando um historiador-youtuber elogia Stálin, não defende apenas uma ideologia. Defende um homem que matou mais gente que Hitler.

Que ordenou transferências forçadas de 5,8 milhões de integrantes de minorias étnicas, mandou 14 milhões de pessoas para o Gulag, apreendeu a comida e causou a morte de milhões de ucranianos, executou 800 mil cidadãos durante o Grande Terror, além de diversas outras matanças –como a dos 22 mil oficiais poloneses mortos com tiros na nuca durante o Massacre de Katyn.

É sério que a Fundação Padre Anchieta e os canceladores de plantão consideram isso menos grave que o deputado Kim Kataguiri defender a liberdade de expressão de ideologias radicais de direita ou de esquerda?

Elogiar um stalinista, como fez Caetano Veloso, é tão bizarro quanto defender um neonazista.

Quem hasteia bandeiras da foice-e-martelo na Paulista talvez devesse lembrar que homens com esse símbolo no uniforme causaram tanto ou mais crimes que aqueles que exibiam suásticas.

"É melhor deixar metade da China morrer para que a outra metade possa comer sua parte", disse Mao Tse-tung, defendido semanas atrás num post do "Quebrando o Tabu".

Quando Lula defende Fidel Castro, está passando pano num regime que matou mais de 20 vezes o total de mortos pela ditadura brasileira e mais de três vezes os mortos por Augusto Pinochet.

Segundo o Cuba Archive, foram pelo menos 10,7 mil vítimas em pelotões de fuzilamento e execuções extrajudiciais. Sem contar as dezenas de milhares de cubanos mortos no mar, tentando fugir do país.

Portanto a contradição permanece. Não faz o menor sentido um negacionista dos crimes de Stálin ou de Cuba ser convidado para dar entrevista no grande canal de notícias enquanto quem defende liberdade de expressão irrestrita enfrenta inquéritos policiais.

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