Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

O que leva bolsonaristas e filhos de imigrantes a se tornarem mascotes de racistas?

No túnel do extremismo, militantes brasileiros talvez não percebam que ele termina num território estrangeiro

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"Começou o 6 de janeiro brasileiro!" "Este é o Trump dos trópicos."

Americanos são prodigiosos criadores de clichês que refletem sua percepção de habitar o umbigo do mundo. O campeonato de beisebol, um esporte que faz a maioria do planeta cochilar, é a World Series (série mundial). E a mídia que criou o rótulo world music (música do mundo) estava se referindo, nas palavras do sábio carioca Nelson Motta, à música do resto do mundo.

Mas o choque dos âncoras, repórteres e comentaristas que cobriam ao vivo o 8 de janeiro em Brasília era evidente. É como se o Brasil tivesse erguido um espelho para o norte com o recado: este é agora o seu mais conhecido produto de exportação —golpismo e autocracia. E vamos imitá-los muito bem, veja o terrorista sentado na cadeira do presidente da Câmara.

Golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam edifícios de instituições democráticas, em Brasília
Golpistas invadem a praça dos Três Poderes e depredam edifícios de instituições democráticas, em Brasília - Gabriela Biló - 8.jan.23/Folhapress

Uma das fontes de perplexidade para americanos assistindo à depredação em Brasília, refletida em mensagens que recebo, é como tantos num país de maioria não branca dão apoio a movimentos de supremacia branca, rebatizados de nacionalismo branco para fins de marketing e recrutamento.

Como não tinha resposta, telefonei para Vitória da Conquista, no coração do estado talvez menos branco do Brasil. Michele Prado é autora de "Tempestade Ideológica" (ed. Lux, 2021) e "Red Pill - Radicalização e Extremismo", que está para ser lançado no Brasil. Ela estuda a direita radical no Brasil desde a ascensão de Jair Bolsonaro (PL) e não se surpreende com o fato de que militantes não brancos, possivelmente alvos de discriminação racial, apoiam a ultradireita que prega a supremacia branca.

O que leva bolsonaristas e filhos de imigrantes como o mentiroso serial George Santos, recém-empossado no Congresso americano, a se tornarem mascotes de racistas?

Prado lembra que a alt right brasileira é uma bactéria cuja cultura tem origem online, inspirada por supremacistas brancos americanos, na década passada. "No ecossistema digital da ultradireita brasileira não estamos falando de uma ideologia, mas de um amálgama de correntes. E ele é marcado pelo etnopluralismo que disfarça o racismo explícito com testes pseudocientíficos —como o de que QI pode estar relacionado a grupos étnicos— e prega que cada grupo racial tem o direito de se defender de invasores."

Assim, pode-se explicar como nacionalistas brancos se aproximam de movimentos negros segregacionistas. E, para completar o sarapatel de ódio, lembra Prado, há os grupos de supremacia masculinista, como os encontrados em comunidades Red Pill, que logo partem da misoginia para acusar judeus de um plano globalista de emasculação da população de homens.

É difícil associar as imagens de histeria e os gritos de guerra analfabetos dos presos pelo ataque em Brasília a tropos específicos de um movimento. Mas Prado afirma que militantes brasileiros, no túnel do extremismo, talvez não percebam que ele termina no exterior. Aproximam-se ainda mais da supremacia branca ao se aprisionar na ideia de proteger culturalmente uma imaginária comunidade homogênea –somos cristãos brancos (ainda que não sejam) de classe média e temos um inimigo comum.

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