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Nelson Motta conta em biografia como chega aos 76 sendo invejado por tantos

'Tudo que conquistei na vida foi na base do papinho; na força eu nunca consegui nada', diz o amigo profissional

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São Paulo

Nelson Motta tem tantas atividades diferentes que talvez fique em dúvida na hora de se registrar num hotel e preencher o campo profissão na ficha de hóspede. Em todas as frentes de trabalho, um fator comum –carinho e lealdade aos amigos. Nelson é um amigo profissional.

Em seu trabalho em jornais, TV e livros, desde sempre escreve apenas sobre o que gosta. “Sou um Facebook humano. Curto uma coisa, então compartilho com os outros!”

Mesmo com a brincadeira, Motta evita os tribunais informais das redes sociais. “Eu me envolvo o mínimo possível. Faço o suficiente para divulgar minhas coisas e só. Sempre detestei polêmica, mesmo na época em que as polêmicas eram civilizadas. Sempre procurava fazer as pazes entre dois amigos. Hoje vejo um inferno das redes.”

Jornalista, escritor, roteirista, letrista, produtor musical, homem de TV, empresário da noite. Em todas essas áreas, Motta consagrou uma figura cordial, bem-humorada, que surge ao púbico como bon vivant, conquistador incorrigível e dono de um texto de excelência. E essa prosa fluente preenche as quase 500 páginas da autobiografia que chega às livrarias agora, “De Cu pra Lua: Dramas, Comédias e Mistérios de um Rapaz de Sorte”.

O título é uma brincadeira com a sorte, que admite realmente ter guiado muito sua vida. “Eu tinha o título antes do livro. Já começou uma polêmica com amigos, com as filhas”, conta Motta. “Mas estive com o Washington Olivetto em Londres e ele disse para manter, que era sensacional. Meu agente falou que poderia preocupar algumas pessoas, mas insisti. O cara que se chocar com isso não vai entender o livro, eu não estarei perdendo nada.”

O livro não tem o objetivo de fechar um balanço de sua vida. Ele segue trabalhando na TV e gravou duas temporadas para a GloboNews do programa “Em Casa com Nelson Motta”, mas escreveu a biografia num período de mais recolhimento, mesmo antes da pandemia.

Motta precisou operar uma fístula medular, entrando na sala de cirurgia com 50% de chances de não voltar a andar. Ele superou o problema, mas sente algumas limitações. Deu entrevista em seu apartamento, depois de uma sessão de fisioterapia.

“Vou fazer 76 anos no dia 29 de outubro, vivendo 'day by day', mais do que nunca. Eu reajo a isso, não me entrego a depressões da idade. Como parte da terapia para minha coluna e minhas pernas, comecei a fazer aula de boxe, há três meses. O professor foi me ensinando e eu adoro. É uma maravilha, melhora tudo fisicamente e coloco a raiva para fora. A cada soco eu penso no Crivella, no Bolsonaro, no Carluxo, no Carluxo de novo! Quem diria que iria acabar fazendo boxe. Tudo que conquistei na vida foi na base do papinho, da simpatia. Na força eu nunca consegui nada”, conta, rindo.

Depois de escrever vários livros, entre eles biografias de Tim Maia e Glauber Rocha, chama atenção a escolha de narrar seus 75 anos na terceira pessoa. Assim, o protagonista é Nelsinho, o rapaz de sorte. “Ficou divertido usar o Nelsinho porque posso sacanear com ele, criticar, posso até elogiar. Eu pude até me abrir muito mais, porque é a história dele, um personagem do qual me desvinculei. Fiz uma esquizofrenia voluntária e temporária”, brinca.

Colunista em períodos diferentes em jornais como Última Hora, O Globo e Folha, ele nunca escreveu diários. Para o livro, apelou à memória, que acredita ser excelente. “Eu vivo da minha memória. Minha geração foi privilegiada, porque teve na juventude a pílula anticoncepcional, na maturidade, o Viagra, e, na velhice, o Google. O Google é um companheiro que me faz lembrar coisas com mais detalhes.”

Muita gente pensa que Motta é carioca, mas o garoto paulistano nasceu em 1944 e se mudou para o Rio de Janeiro em 1950. Chegou à adolescência durante os anos 1950, época em que o Rio ganha ares de lugar charmoso e irresistível, uma aura mítica perpetuada em livros e crônicas de memorialistas informais da cidade, como Ruy Castro, Zuenir Ventura ou o próprio Nelson Motta.

Segundo ele, a mudança foi uma grande sorte. E ele acredita que é preciso estar preparado para quando a sorte aparece, para a não desperdiçar. Como exemplo, Motta recorda a criação de sua casa noturna Dancing Days, templo da discoteca no Rio. “Em 1976, estava falido depois de organizar festival em Saquarema, aí toca o telefone e é um cara me oferecendo de graça a área para eu fazer o Dancing Days! Como você vai qualificar isso? O que eu fiz para merecer?”

Crescer no Rio da bossa nova foi incrível, mas ele agradece seu lado paulista que muitas férias com a família em São Paulo ajudaram a preservar.

“Se eu fosse só o meu lado carioca, acho que iria fazer muitos planos, teria ideias geniais, e não terminaria nada direito. Tenho esse lado paulista rigoroso, trabalhador e disciplinado, que eu consegui equilibrar com o lado carioca sonhador, criador, novidadeiro. O Dancing Days foi uma puta ideia do Nelsinho carioca, mas se não entrasse o Nelsinho paulista, virando noite, viajando para Nova York e comprando coisas, não iria sair nada. Me sinto bem nessa mistura.”

Motta enlouqueceu com a bossa nova. Tinha aula de violão com Roberto Menescal, era amigo de Marcos Valle e seu irmão Paulo Sérgio, de Wanda Sá, da família Caymmi e, claro, reverenciava João Gilberto. Tocar mesmo era difícil, mas virou letrista na turma. Em 1966, “Saveiros”, parceria com Dori Caymmi, venceu o primeiro Festival Internacional da Canção, na voz de Nana Caymmi. Até hoje, Motta escreveu mais de 300 canções com parceiros como Lulu Santos, Guilherme Arantes e Erasmo Carlos.

Em paralelo às investidas na música, ele trabalhava no Jornal do Brasil. Foi participar de uma entrevista coletiva com Flávio Cavalcanti, um dos grandes nomes da TV em 1966. O encontro levou a um convite de trabalho, e Nelson ganhou fama instantânea na bancada de “Um Instante, Maestro!”, programa que lançou no Brasil o formato do júri televisivo para avaliar músicas e artistas.

Nas décadas seguintes ele trabalharia em inúmeros projetos, principalmente na Globo, onde cumpriu o papel de crítico musical em vários telejornais.

Os gritos disparados pelo auditório de Flávio Cavalcanti mudaram a vida amorosa de Motta, descrita com minúcias na biografia. “Até os 20 anos eu era supertímido, me achava medonho, cheio de espinhas. E, na verdade, vendo as fotos, era superbonitinho! Muito melhor do que eu fiquei depois. Aparecendo nos programas, com as meninas gritando ‘lindo, lindo’, eu descobri que era bonitinho. Imagina ter um bando de tietes na porta do estúdio. Foi um sonho e um aprendizado espetacular.”

Motta demonstra carinho pelas mulheres de sua vida e escreve abertamente sobre os casamentos com Mônica Teixeira, a atriz Marília Pêra, a publicitária Adriana Penna e a empresária e consultora de moda Costanza Pascolato. “Na verdade, eu aprendi muito com as mulheres. Incrível o que aprendi só testemunhando o dia a dia da Marília, o empenho dela, a seriedade no trabalho. Aprendi muita coisa com todas. Até com a Adriana, com quem casei pouco tempo. Ela me botou na ioga, me fez parar de fumar.”

Ele preservou a identidade de algumas namoradas. “Fui muito cuidadoso, inclusive troquei os nomes de pessoas que não eram públicas, tipo a primeira namorada, a segunda, que rolou junto com a primeira. Não vou dar os nomes, são minhas amigas até hoje. Não tem nada vergonhoso contado ali, mas é a privacidade da pessoa. Uma garota perdendo a virgindade, para que essa exposição?”

Mulheres cercam Nelsinho. Como produtor de discos, ele começou a carreira no álbum “Encontro Marcado”, de Joyce, em 1968. No ano seguinte, modernizou o repertório de Elis Regina no disco “Em Pleno Verão”. Nelson lançou Marisa Monte em 1988. Parecia ter encerrado a carreira na produção depois de trabalhar em um álbum ao vivo de Daniela Mercury, mas voltou aos estúdios recentemente para produzir a portuguesa Cuca Roseta, que canta fado pop.

E uma mulher é o foco do final do livro. Drica, a baiana Adriana Albuquerque, com quem está namorando. Depois que relata o episódio da cirurgia, muito dramático pela chance de ficar paraplégico, segue a ordem cronológica na narrativa. Volta a andar e encontra outra “love story”, como define. “É algo também ligado à sorte ver esse personagem que penou tanto com as mulheres, e também aprontou com elas, agora ter mais uma chance de amar. Você torce para ele não fazer nenhuma cagada agora. É mesmo um happy end!”

Trajetória

VJ pioneiro
Apresenta entre 1969 e 1973 o diário “Papo Firme”, cinco minutos comentando música no horário nobre da Globo

Uma nova Elis
Em 1969, produz “Em Pleno Verão”, de Elis Regina, e moderniza seu repertório

Lança Marisa
Produz, em 1988, o álbum de estreia de Marisa Monte e consolida sua fama de descobridor de talentos

Tim best-seller
A biografia de Tim Maia, de 2007, adaptada ao cinema e ao teatro musical, é o mais famoso de seus mais de 20 livros

De Cu pra Lua: Dramas, Comédias e Mistérios de um Rapaz de Sorte

  • Preço R$ 69,90 (480 págs.)
  • Autoria Nelson Motta
  • Editora Estação Brasil
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