Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães

Falcatruas de George Santos são prova de que malandro demais se atrapalha

Deputado filho de brasileiros não corresponde aos clichês benignos do folclore do malandro carioca

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Para entender o deputado George Santos, é preciso recordar outro George, falecido em 1936, na infame prisão de segurança máxima de Sing Sing, ao norte de Manhattan. George C. Parker que, como Santos, atendia por outros nomes, nenhum deles Kitara Ravache, era um espertíssimo vendedor de propriedades que não possuía.

Devemos a Parker uma expressão idiomática americana que define o otário contemporâneo: "Se você acredita nisso, tenho uma ponte no Brooklyn para vender". Sim, o talentoso malandro Parker gostava de vender monumentos públicos e conseguiu tomar dinheiro de múltiplos pamonhas "vendendo" a majestosa Brooklyn Bridge. Volta e meia a polícia tinha que prender os compradores patetas que tentavam erguer postos de pedágio na ponte, cuja travessia é grátis.

O deputado eleito por Nova York George Santos durante cerimônia de posse no Capitólio - Mandel Ngan - 3.jan.23/AFP

Para entender George Santos é preciso admitir que Nova York, onde ele nasceu, filho de imigrantes brasileiros, não basta como explicação. É preciso conhecer o entorno da minha cidade, que produziu um adágio à altura dos mais sábios cunhados por filósofos da Antiguidade: "Malandro demais se atrapalha".

George Santos frequentou o Rio de Janeiro quando viveu em Niterói mais de uma vez, entre 2005 e 2011. Ele não corresponde aos clichês benignos do folclore do malandro carioca, em parte porque algumas das testemunhas que se declararam suas vítimas foram tratadas com crueldade especial.

Mas as revelações quase diárias começam a sugerir que o malandro parlamentar se atrapalhou feio.

A revista Mother Jones revelou nesta quarta (1º) que o biltre Santos arrastou pelo menos um parente incauto na prática conhecida como "doação espantalho" em campanhas políticas. Ela consiste em burlar a lei que limita o montante de doações feitas por indivíduos usando o nome, o endereço e o CPF americano de pessoas que não doaram para o político. Há indícios crescentes de que as duas campanhas para deputado de Santos —a perdedora, em 2020, e a vencedora, em 2022— relataram doadores espantalhos, incluindo vários parentes próximos, o que é crime federal.

"Espera aí", dirão os leitores. "Se a campanha de 2020 já era pródiga em laranjas, como o intrépido embusteiro seguiu livre para a vitória numa segunda campanha?"

A explicação talvez esteja na cultura do capitalismo americano. Um país que produz épicos fraudulentos —como a pirâmide de Bernie Madoff, a empresa de energia Enron, a Theranos da falsa inovação tech e a FTX das criptomoedas— requer, além de malandros que falam bem, um extraordinário grau de credulidade num sistema exaltado como veículo do "excepcionalismo", mas que funciona, de fato, como o idiota útil do malandro.

Fonte loquaz, com décadas de acesso à esbórnia política de Long Island, que inclui parte do distrito representado por George Santos, informa a esta coluna que a máquina política republicana da região recebia de volta 5% dos salários de funcionários municipais.

No caso, a rachadinha gringa não beneficiava só uma familícia de Nova York, mas a máfia de famiglias generosas em empregar parentes à custa do contribuinte, que agraciaram o Capitólio com um senador e vários deputados. Crédito onde crédito é devido. A rachadinha não foi aprimorada pela família do capitão flanando a esmo em Orlando. No máximo, podem ser acusados de plágio.

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