Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Lúcia Guimarães

Debates presidenciais perdem eficácia e desinformam eleitores nos EUA

Democracia requer debate, não propaganda, mas país atravessa fase de criminalização de ideias

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

O primeiro debate da campanha presidencial de 2024, nos Estados Unidos, será realizado na próxima quarta-feira (23) em Milwaukee, no estado de Wisconsin, reunindo oito pré-candidatos republicanos. Ou sete, se Donald Trump, o líder disparado nas pesquisas, não aparecer.

Na mesma semana, Trump tem prazo para outro encontro marcado, este com a Justiça em Atlanta, na Geórgia, onde acaba de ser indiciado por tentar roubar a eleição de Joe Biden no estado.

O debate presidencial americano, cujo formato moderno foi definido pela TV analógica, tornou-se uma geringonça inútil na era digital. É puro teatro ou, dependendo dos candidatos, circo.

Joe Biden e Donald Trump durante debate presidencial em Nashville, no Tennessee, para as eleições de 2020 - Jim Bourg - 21.jul.23/AFP

Os debates não informam os eleitores sobre questões políticas cruciais para suas vidas; são lembrados por gafes, momentos cômicos ou de agressividade, sob medida para a mídia caça-cliques; e, por serem conduzidos por âncoras e repórteres generalistas, obcecados pela política como um esporte, são um desserviço à causa da informação necessária para a vida cívica.

Não é coincidência que temas urgentes que requerem cultura científica, como meio ambiente, têm protagonismo risível na pauta de jornalistas mediadores. A plateia ao vivo em debates, não importa a imposição de restrições a aplausos ou a vaias, contribui para a atmosfera circense.

Numa era de polarização extrema e desprezo por informação transmitida via jornalismo, o público que assiste aos debates já se liga com opiniões formadas e em busca do candidato que confirme suas convicções, danem-se os fatos.

Não há operação de checagem de fatos ao vivo que neutralize o poder das mentiras intencionais que são normalizadas pelo discurso político nos EUA.

Pesquisas mostram que debates presidenciais raramente mudam o voto e, promovidos como grandes eventos no calendário eleitoral, eles acabam por se tornar uma distração de calorias políticas negativas.

Como debater racionalmente com um candidato que continua a afirmar que ganhou a eleição de 2020 e que Joe Biden é um impostor instalado na Casa Branca? E como debater, nesse sistema bipartidário, com candidatos de um partido que ainda nega a tentativa de golpe em 6 de janeiro de 2021?

O debate que talvez mais tenha influenciado a história das eleições nos EUA já anunciava os problemas do formato. Em setembro de 1960, o veterano republicano Richard Nixon enfrentou o democrata novato John Fitzgerald Kennedy. Quem ouviu o confronto no rádio achou que Nixon venceu pela consistência dos argumentos. Quem assistiu pela TV, em preto e branco, deu vitória ao relaxado boa pinta Kennedy diante de um Nixon estressado, que suava em bicas.

Democracia requer debate, não propaganda. Há poucas experiências cívicas mais satisfatórias do que testemunhar, ao vivo, um debate de ideias que podem mudar seu destino. Mas os EUA atravessam uma fase de criminalização de ideias. Livros banidos, professores da rede pública perseguidos e uma pornográfica influência de evangélicos brancos nos três Poderes.

Um(a) cientista do clima sabatinando candidatos negacionistas teria mais poder para informar eleitores. Um(a) economista questionando candidatos xenófobos, que mentem sobre a invasão de imigrantes na fronteira com o México, poderia explicar a real escassez de categorias de mão de obra que afetam a produtividade nos EUA.

Enquanto uma nova geração menos corrupta não se alistar no processo eleitoral, os debates vão continuar desinformando a escolha crucial dos presidentes americanos.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.