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Eleições EUA 2020 Governo Trump

Seis de janeiro entrará para história dos EUA como 1ª tentativa de golpe no país

Trump é principal responsável pelos acontecimentos desta data, mas não o único

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Carlos Eduardo Lins da Silva

Professor do Insper, foi correspondente da Folha em Washington

Seis de janeiro de 2021 entrará para a história dos EUA como a data da primeira tentativa de golpe de estado da nação. Durante os quatro anos em que esteve no poder, Donald Trump estimulou seus seguidores a agirem com violência contra supostos inimigos.

Em agosto de 2017, oito meses após a posse, justificou as agressões de supremacistas brancos que atacaram manifestantes negros que protestavam pacificamente na cidade de Charlotesville.

Em diversos dos incontáveis comícios que promoveu durante o mandato, numa permanente campanha para se manter no poder, incentivou o uso de força de seus aliados contra jornalistas que nunca tolerou.

Na sua gestão, solapou as instituições que o país construiu ao longo de 241 anos de independência com atitudes de deboche, desrespeito e intimidação que foram toleradas e até aplaudidas por aliados.

Apoiadores de Donald Trump durante manifestação em frente ao Congresso, em Washington
Apoiadores de Donald Trump durante manifestação em frente ao Congresso, em Washington - Stephanie Keith/Reuters

Trump é o principal responsável pelos acontecimentos de 6 de janeiro, mas não o único. Os congressistas que o apoiaram desde 2016 e o absolveram no processo de impeachment são seus cúmplices.

E Trump não é uma aberração na vida americana. Os 74 milhões de votos que recebeu em novembro demonstram isso. Quase metade dos eleitores acha que ele é seu líder e os representa.

A violência é um valor enraizado na sociedade americana. Reflete-se não só nas inúmeras guerras em que o país se engajou (inclusive a Guerra Civil, que lhe custou 620 mil mortes na década de 1860). Mas também nas cerca de cem vidas que se perdem diariamente no país pelo uso de armas de fogo por civis.

O racismo estrutural que admite a continuidade de assassinatos de pessoas negras por policiais brancos que quase invariavelmente escapam de qualquer tipo de punição legal é outro exemplo de que o 6 de janeiro não foi uma anomalia.

A falta de “accountability” (palavra de difícil tradução que significa a obrigação universal de prestar contas e pagar pelos seus erros) não existe apenas em relação aos policiais brancos que matam negros.

As instituições ainda não tornaram Trump “accountable” por nenhum dos escandalosos atos que praticou nestes quatro anos. E provavelmente sairá ileso também de seu incitamento à invasão do Capitólio.

O 6 de janeiro também poderá ser lembrado como o marco do fim da experiência da democracia representativa nos EUA. Uma espécie de Bastilha às avessas. Mas, também neste item, os fatos desse dia não parecem ter sido tão aleatórios. Qualquer pessoa que estude com um pouco de profundidade o sistema eleitoral americano entenderá que ele está muito longe de ser democrático.

A supressão do exercício do direito de voto em diversos Estados, em especial os do Sul do país, é histórica e rotineira. Desde os primórdios da nação foram estabelecidas normas para afastar das urnas os pobres, os negros, por muito tempo as mulheres. Muitos desses limites se mantêm até agora.

Trump é a corporificação de todo esse lado trágico dos EUA, que por séculos foi encoberto pelas suas facetas positivas, que são muitas, mas não únicas.

Ele se tornou tão perigoso porque conseguiu ativar e colocar em marcha essa parcela nefasta dos EUA. Da mesma forma como seu discípulo Jair Bolsonaro tem feito e continuará a fazer. Se Trump for punido por seus crimes, talvez ainda haja esperança de que a democracia sobreviva naquele país.

O mesmo se aplica aqui.

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