Lúcia Guimarães

É jornalista e vive em Nova York desde 1985. Foi correspondente da TV Globo, da TV Cultura e do canal GNT, além de colunista dos jornais O Estado de S. Paulo e O Globo.

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Lúcia Guimarães
Descrição de chapéu Partido Republicano

Acusação contra Trump alivia 'gaslighting' sobre invasão do Capitólio

Após rápida indignação, Partido Republicano e mídia de ultradireita passaram a normalizar 6 de Janeiro nos EUA

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A nova acusação contra Donald Trump na Justiça —a terceira, para quem acompanha a trajetória do mais criminoso ocupante da Casa Branca— tem uma qualidade bem-vinda. Pode trazer alguma sensação de alívio, reconhecida até por crianças que acordam de um pesadelo.

Quem testemunha acontecimentos aterradores se desenrolarem ao vivo, desafiando a nossa credulidade, precisa saber que não estava imaginando o que viu.

Manifestante segura cartaz em frente ao tribunal onde Trump seria acusado, em Washington - Aaron Schwartz - 1º.ago.23/Xinhua

A invasão do Capitólio, no dia 6 de janeiro de 2021, teve uma audiência planetária e inicialmente incrédula. Boa parte desse público, dezenas de milhões de americanos cujo voto Donald Trump e seu culto queriam anular, passou os últimos dois anos e meio enfrentando o que chamamos de "gaslighting". O nome da tática vem do filme "Gaslight" (1944), em que Ingrid Bergman vive uma mulher cujo marido tenta convencê-la de que ela está louca ao manipular secretamente as luzes da casa onde moram.

O Partido Republicano e a mídia de ultradireita continuam a se comportar como o marido em "Gaslight". Depois de um brevíssimo período em que os aliados de Trump dentro do Capitólio se indignaram com o risco de vida real que correram em meio à invasão, políticos eleitos começaram a normalizar a grotesca tentativa de golpe de Estado e a tentar nos convencer de que o crime foi imaginado.

Mais do que isso, continuam a planejar um lento golpe de Estado se Trump ganhar a eleição de 2024, examinando qualquer dispositivo ou falha constitucional para se perpetuar no poder.

A cristalina acusação oferecida pelo promotor especial do Departamento de Justiça Jack Smith confirma que não estávamos imaginando a depravação que testemunhamos na tarde de 6 de janeiro de 2021. O documento de 45 páginas, que lista ainda seis coconspiradores —que não viraram réus, por enquanto, mas foram instrumentais na promoção da grande mentira sobre o roubo da eleição de 2020—, deixa claro que Trump agiu de forma criminosa apesar de saber que não tinha vencido o pleito.

Ao contrário da propaganda trumpista, que previsivelmente acusa Smith e o Departamento de Justiça de caça às bruxas e violação do direito à livre expressão, o republicano derrotado por Joe Biden agiu de forma a estimular violência na subversão da transferência pacífica de poder, no nível mais básico do clichê americano que define o limite da liberdade de expressão: gritar "fogo!" num teatro lotado não é algo protegido pela Constituição.

Por que esse processo é mais importante para a democracia americana e para a sanidade mental coletiva da população do que os anteriores, que tratam de falcatruas financeiras para calar uma atriz pornô e de roubo de documentos secretos do governo, com consequências para a segurança nacional?

Porque todos nós assistimos à tentativa de golpe de Estado, a primeira da história em que a violência testemunhada não foi, em seguida, suprimida por ditadores comunistas ou por uma junta bananeira de ultradireita, mas por um de dois predominantes partidos de uma democracia e por empresas de jornalismo com toda a liberdade de relatar fatos, como a Fox News de Rupert Murdoch.

O julgamento de Trump pelo 6 de Janeiro deve ser transmitido ao vivo pela TV, não importa se seus seguidores, zumbis da vida cívica, duvidem do procedimento como os que ainda duvidam que astronautas pisaram na lua em 1969.

Este é o crime que o país precisa revisitar e não esquecer para sobreviver como democracia.

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