Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

'Casa de Papel' faz arremedo de Tarantino

Produção na Netflix sobre assalto épico cola clichês e liquidifica referências com personagens caricatos

Pedro Alonso em cena da série "La Casa de Papel'
O ator Pedro Alonso em cena da série espanhola exibida pela Netflix - Reprodução

É difícil entender o frenesi e a paciência de parte do público com a série espanhola "Casa de Papel", uma colagem mal ajambrada de referências a Quentin Tarantino e Pedro Almodóvar cujo roteiro não sobressai nem entre redações escolares.

Há o apelo do bom ladrão com um plano mirabolante, a tentativa de cativar o público com um bando de desajustados de personalidades díspares dispostos a executar um roubo fenomenal e tirar da Casa da Moeda espanhola   2,4 bilhões (R$ 10 bilhões).

Steven Soderbergh fez isso com charme e graça em "Onze Homens e um Segredo", para ficar em um exemplo mais recente. Nesta produção da Netflix, porém, os personagens têm a profundidade prometida no título: são chatos como papel.

O roteirista Álex Pina se esforça para que em sua trama nada seja o que parece, mas infelizmente o acúmulo de clichês é tão grande que o resultado é previsível e modorrento, pecado mortal para esse tipo de obra que se ampara no suspense.

As referências a Tarantino vão da apresentação dos personagens, a la "Cães de Aluguel", ao corte de cabelo da protagonista, Tóquio (Úrsula Corberó), uma cópia da Mia Wallace de Uma Thurman em "Pulp Fiction". Ainda se repetem os arquétipos surrados (o intelectual cheio de ética, o psicopata, o pai e filho que tentam resgatar a relação, o jovem apaixonado, a mulher intrigante com passado triste etc etc).

O problema de se liquidificar Tarantino é que Tarantino já é, ele mesmo, um pacote de referências ao cinema e ao mundo pop. Repasteurizá-las sem ter o repertório e o humor sagaz do ex-balconista de locadora de vídeo resulta em uma falsificação canhestra. Ao que parece, porém, contenta um público com preguiça de ir ao cinema ou que, alimentado pelos catálogos de serviços de streaming, considera "filme antigo" tudo de 1990 para trás.

A trama é ficção barata: um ladrão intelectualizado que se apresenta como Professor (Álvaro Morte) reúne oito párias para assaltar a Casa da Moeda e dá a eles nomes de cidades para dificultar a identificação, além de uma série de regras que obviamente serão burladas. O plano inclui reféns, entre eles alunos da escola britânica local, e ganhar tempo para imprimir dinheiro.

É importante não haver violência, pois, segundo o Professor, a opinião pública tem de estar a favor dos ladrões (sim, até eles se apegam à imagem pública). Sua antagonista será uma negociadora da polícia (Itziar Ituño) com sua cota de assuntos pessoais mal resolvidos. Os reféns, claro, também têm suas sombras, que se projetam no cativeiro.

Poderia sair algo interessante daí se os atores não fossem medíocres e os protagonistas, caricaturas. Como roteiro e personagens não sustentam as dez horas de série, há cenas de sexo insípido e mulheres rebolativas com uma trilha pop anódina para preencher espaço (clipes da Anitta são melhor uso de tempo).

Não nutra expectativas. Lá pelo quarto episódio, quando se pensa que a trama vai decolar, o roteiro outra vez abraça o óbvio e prova que dali não sai nada. Um suplício.

"Casa de Papel" está disponível na Netflix

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