É providencial em tempos de imagem americana em baixa e consolidação de um novo risco de segurança —a guerra cibernética— transformar em série a obra-prima do jornalista americano Lawrence Wright sobre a gênese da rede terrorista Al Qaeda, "O Vulto das Torres".
"The Looming Tower", produção do canal americano de streaming Hulu trazida ao país pelo Amazon Prime Video, toma como base o livro lançado em 2006 (no Brasil, pela Companhia das Letras) e vencedor do prêmio Pulitzer do ano seguinte, convertendo a história do 11 de Setembro num thriller digno do auge de "Homeland".
Some-se ao timing a decisão acertada de trazer ao elenco Jeff Daniels (como o agente do FBI Jim O'Neill) e Peter Sarsgaard (como o aguerrido analista da CIA Martin Schmidt) —o primeiro um personagem real, o segundo uma composição de diferentes pessoas.
É difícil imaginar melhor intérprete para um personagem simultaneamente dúbio e carismático do que Daniels, vindo de excelentes trabalhos em "Newsroom" e "Sem Deus".
Bill Camp (o detetive de "Night Of"), também dando corpo a uma miríade de agentes do FBI, e o francês Tahar Rahim, como o agente de origem libanesa Ali Soufan, completam um elenco de sonhos.
Soufan é, nos episódios iniciais (há 6 dos 10 já no ar), o personagem mais intrigante. O Soufan real hoje está desligado da principal polícia federal americana, da qual se tornou crítico, e deu aval à produção. Seu encantamento inicial com o trabalho investigativo e a posterior descrença na burocracia americana são um bom condutor para o enredo.
Há modificações em relação à obra de Wright, um tour de force que retrata a origem da Al Qaeda e explica o sentimento antiamericano no mundo quando ele surpreendia o público daquele país (não mais).
Se o livro começa com a trajetória do fundador do grupo militante egípcio Irmandade Muçulmana, uma das inspirações do saudita Osama bin Laden e de seu assecla egípcio Ayman al-Zawahiri, a série parte dos tropeços de inteligência dos EUA quando do duplo atentado às embaixadas na Tanzânia e no Quênia, com saldo de 224 mortos.
Na tela, o foco recai nos agentes americanos e na queda de braço entre as agências de inteligência mais do que na história dos terroristas (apesar da preocupação didática com a ascensão de Bin Laden). Recorre-se a dramas pessoais, inclusive, e a intrigas típicas de folhetim que o livro relega a segundo plano.
Mas os recursos, usados com sutileza, funcionam no roteiro de Dan Futterman (indicado ao Oscar por "Foxcatcher" e "Capote"). A produção inclui ainda Wright e o documentarista Alex Gibney (Oscar por "Um Táxi Para a Escuridão"), que dirige o piloto.
É série para fissurados em geopolítica, e é também gratificante para quem aprecia a história bem contada. Os serviços de streaming, com seus altos e baixos, derrubaram com sua independência de anunciantes e de horário nobre uma porta fabulosa à dramaturgia crítica.
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