Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Luciana Coelho

Em 'Jack Ryan', vilões humanizados são mais intrigantes do que mocinho

Versão em 8 capítulos para Amazon Video tem John Krasinski na pele do analista da CIA/ex-soldado

Saudosos de Jack Bauer ("24 Horas", 2001-10) encontrarão alento na versão atualizada de "Jack Ryan", série da Amazon Video inspirada no personagem do romancista policial Tom Clancy (1947-2013) mais conhecido pela interpretação de Harrison Ford no cinema.

Nessa versão em oito capítulos para o streaming da gigante varejista, com nova temporada em 2019, Ryan ganha a pele de John Krasinski, o inefável Jim Halpert de "The Office".

Tornar o herói mais doce e afável (talvez excessivamente) não é a única diferença crucial em relação à obra de Clancy e suas versões cinematográficas ("Jogos Patrióticos", "Perigo Real e Imediato", "Caçada ao Outubro Vermelho" etc).

John Krasinski como Jack Ryan - Jan Thijs/Divulgação

Na nova versão, Ryan foi rejuvenescido, e o inimigo que ele enfrenta, atualizado. Resquícios da Guerra Fria e tentáculos de Moscou foram substituídos pelo terrorismo islâmico em sua versão mais cruenta, com alusões ao Estado Islâmico e à série de atentados de novembro de 2015 em Paris.

O analista da CIA/ex-soldado agora terá que lidar com o líder terrorista Suleiman (o ótimo ator israelense Ali Suliman), cuja vocação política é mais aguda do que a religiosa, e, como sói ser em filmes/séries/livros/jogos do tipo, lançar-se em uma perseguição labiríntica que passeia pela geopolítica de hoje.

O universo de personagens de Clancy está todo ali, reencarnado no noticiário. Por isso, é muito mais interessante assistir às sequências com os "inimigos" do que a parte a trama reservada ao personagem-título e aos mocinhos.

E se as cenas de ação e o timing deixam a desejar em relação a "24 Horas", por exemplo, os vilões de "Jack Ryan" são muito menos opacos e caricatos, com direito a uma história pregressa que foge do maniqueísmo e explica, em parte, por que o terrorismo floresce em certas regiões.

Não que haja simpatia pelos algozes, não há. Mas eles parecem seres humanos, com problemas e motivações condizentes, o que em si já é louvável em produções do tipo.

Especialmente didático é o arco da ex-mulher de Suleiman (Dina Shihabi), cuja fuga permite à produção, por exemplo, mergulhar em um campo de refugiados na Turquia. Por o esquecido Iêmen (a guerra menos comentada do século) como centro da ação é outra decisão alentadora dos criadores Carlton Cuse ("Lost") e Graham Roland.

"Jack Ryan" também ganha realismo no elenco multinacional, algo em que as plataformas de streaming, por razões comerciais diante de sua plateia global, têm investido.

Mas, admitamos, é difícil persistir numa série de ação em que o pano de fundo político e a construção dos antagonistas é mais interessante que a do herói. A escalação de Krasinski, um ator correto que já mostrou talento como diretor ("Um Lugar Silencioso") mas cuja latitude como intérprete ainda está por ser provada, é no mínimo curiosa.

Não ajuda Ryan, tampouco, que diferentemente da época do primeiro livro (1987) ou da estreia de "24 Horas" (2001) inimigos externos não sejam o que há de mais assustador no noticiário/imaginário.

A política, já há algum tempo, tomou esse lugar.

“Jack Ryan” está na Amazon Video

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