Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciana Coelho
Descrição de chapéu Maratona series

'Ruptura', de Ben Stiller, opõe trabalho e vida em alegoria sombria

Personagens que separam suas memórias em projeto misterioso refletem desconexão social provocada pela pandemia

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Quem se habituou a ver Ben Stiller na frente ou atrás das câmeras em comédias escrachadas como "Zoolander" e "Entrando numa Fria" pode tomar um susto com sua assinatura na excelente "Ruptura", que estreou na última semana na Apple TV+.

Não que a acidez e a crítica social rasgada que Stiller incute tanto em comédias como em dramas não esteja ali. Está, assim como está a melancolia de seus personagens nas produções de Wes Anderson.

Mas a fluidez com que o ator-cineasta entrança gêneros para costurar um enredo que intriga e provoca ora com questões existenciais ora com humor nonsense é um triunfo inesperado. É, de uma vez, original e uma ode a Terry Gilliam ("Brazil"), David Lynch e Ricky Gervais ("The Office").

"Ruptura", cujo título original é "Severance", a palavra em inglês para desligamento profissional, trata do desejo utópico de equilibrar vida pessoal e carreira, algo amplificado pelo bombardeio de promessas de vidas idílicas que abriu um mercado promissor para gurus, coaches e ansiolíticos.

Na história imaginada por Stiller e pelo roteirista Dan Erickson, esse equilíbrio é feito cirurgicamente pelo misterioso conglomerado Lumen em seus funcionários a fim de separar a personalidade que bate ponto no trabalho daquela que vive das 18h às 9h com amigos, família, hobbies, afazeres e outras coisas mundanas. O "eu" do escritório não tem ideia do que se passa com o "eu" de casa, e vice-versa.

É a essa experiência a que Mark (o versátil Adam Scott, de "Parks and Recreation") e seus colegas (vividos por nomões como Patricia Arquette, John Turturro e Christopher Walken) se submetem.

Todos os dias, pela manhã, ele deixa seus pertences em um armário na entrada da firma, pega um elevador que ativa um chip intracraniano para esquecer tudo que viveu lá fora, percorre extensos corredores brancos e chega à sala que divide com três colegas, onde passa o dia refinando dados em computadores retrô e sendo constantemente visitado por um funcionário de RH histericamente animado.

Quando termina, pega o elevador, esquece o que viveu na Lumen e volta para casa.

Só que Mark não quer esquecer o trabalho para viver o resto da vida. Ele, logo descobrimos, é um ex-professor de história que não superou a viuvez precoce e prefere esquecer a vida para viver o trabalho. Se os cenários assépticos da Lumen são opressivos, o que Mark encontra em casa é ainda mais sufocante. O trabalho —burocrático, tedioso e de propósito desconhecido— o faz vivo.

Por isso, quando encontra do lado de fora um ex-colega demitido com os supostos segredos da firma e do lado de dentro uma nova companheira de baia rebelde cheia de perguntas esquecidas, ele atina para a real razão do procedimento de ruptura.

É incrível que o roteiro preceda nossos meses (anos?) de desconexão social por causa da pandemia e a subsequente onda de mudanças de vida, de carreira e de aspirações.

A alegoria de Stiller e Erickson parece esculpida com assustadora exatidão.

'Ruptura' está disponível na Apple TV+ com novos episódios lançados às sextas

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.