Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Maratona

'Atração Fatal' da era MeToo é o anti-'Atração Fatal' do coelho cozido

Com roteiro indigesto hoje, filme com Glenn Close e Michael Douglas ganha remake curioso

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Mulher de meia idade, branca e de cabelos escuros ondulados, trajando um blazer escuro conversa com um homem também de meia idade, também branco e em traje social, em um ambiente austero; os dois sorriem, ela carrega documentos e ele está com as mãos no bolso

Lizzy Caplan e Joshua Jackson em cena da série "Atração Fatal" Cortesia Paramount+

Remakes estão na ordem do dia, mas não deixa de ser estranha a escolha da Paramount por recriar "Atração Fatal", de Adrian Lyne. Poucas produções, afinal, são tão datadas dos anos 1980, a década que pariu o subgênero "suspense erótico" e abundava em vilãs cujas únicas funções na história eram (1) cenas de sexo; (2) servir de escada, no roteiro, para o herói sofrer e se redimir. Sharon Stone que o diga.

Era então aceitável, na ficção e fora dela, descrever uma mulher apenas com esses adjetivos, sem necessidade de motivação ou história pregressa. Só que muita água correu desde que os personagens de Glenn Close e Michael Douglas transaram em cima da pia e ela, rejeitada, matou o coelho da filha do amante na cozinha familiar.

A figura da "amante louca", que cobra vingança após meia dúzia de encontros calientes e assombraria homens adúlteros (oh! tão indefesos!) por anos a fio, foi higienizada por uma Hollywood que se sente endividada após décadas de representação feminina bidimensional. Como ressuscitar Alex Forrest, a mulher que cozinha coelhos, sem atentar contra o MeToo, o feminismo e, sejamos honestos, o bom senso?

Mulher de meia idade loira, de cabelos ondulados, conversa com homem branco também de meia idade, ela de jaqueta de couro preta e ele de terno, no balcão de um bar; ambos sorriem
Glenn Close e Michael Douglas no filme "Atração Fatal", de 1987 - 1987/Divulgação

Alexandra Cunningham e Kevin J. Hynes, os criadores desta versão, optaram pela expiação pública. Sem esconder as falhas do original, transformaram o thriller erótico em um "whodunnit", uma história de descobrir assassino/a. Para isso, saem Close e Douglas, entram Lizzy Caplan ("A Nova Vida de Toby") e Joshua Jackson ("The Affair" e "Dawson's Creek"), dois atores versados em personagens de alta empatia.

A história muda um pouco. Ainda há sexo em "Atração Fatal", e felizmente ele é parte do roteiro, não sua razão de existir. Alex permanece uma pessoa transtornada, porém, ganha uma história, explicações e seu próprio arco narrativo. Dan Gallagher, o amante incauto, continua um canalha, só que desta vez ele pode não ter matado a amante —sem spoiler, esta é a primeira cena da série. O coelho segue saltitante.

Nisso, a nova versão vai bem. Caplan e Jackson imprimem ao duo central camadas de tormento psicológico, calculismo e sofrimento que inexistiam no filme de 1987. No suspense, em atiçar o espectador para descobrir quem matou Alex (e se ela morreu), também.

O escorregão vem com algo que aos poucos está matando a ficção americana: a necessidade de infundir explicações minuciosas em tudo, como se nada pudesse existir sem "disclaimer".

E os roteiristas fazem isso da pior forma, com uma versão adulta de Ellen (Alyssa Jirrels), a filha de Dan, metida em uma faculdade de psicologia declamando Carl Jung, com menções à sua controversa relação com Toni Wolff, a cada cinco minutos, enquanto descobre a história do pai após ele deixar a cadeia em liberdade condicional.

Isso ajuda a estender a história das duas horas do filme para as oito da minissérie, cujos dois episódios finais vão ao ar neste domingo (28). E suscita a pergunta: será que os espectadores se infantilizaram mesmo a esse ponto?


Os seis primeiros episódios de 'Atração Fatal' estão disponíveis na Paramount+, e os dois últimos vão ar neste domingo; o filme de 1987 está na mesma plataforma

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