Luciana Coelho

Secretária-assistente de Redação, foi editora do Núcleo de Cidades, correspondente em Nova York, Genebra e Washington e editora de Mundo.

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Descrição de chapéu Maratona

Como a série "Treta" vira do avesso e atropela sem dó mito da felicidade plena

Comédia na Netflix com Ali Wong e Steven Yeun brinca com filosofia em ritmo de tiktok

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Há pouca concorrência no mundo das produções independentes hoje para a A24, que se tornou o grande celeiro criativo do cinema nos últimos anos e teve sua ousadia consagrada pelo último Oscar com títulos como "Tudo em Todo Lugar ao Mesmo Tempo" e "A Baleia". Não é pouco em um cenário de consolidação dos grandes estúdios.

Uma belíssima amostra do que catapultou a produtora pode ser apreciado na Netflix em forma de série: é "Treta", um estudo de personagens meio comédia/meio drama que parte de um incidente de trânsito para se aprofundar nas desventuras de duas famílias de ascendência asiática na Califórnia.

Caótica e catártica como outras peças da casa, "Treta" tem o poder de fazer o espectador amar e odiar seus protagonistas ao mesmo tempo: a empreendedora workaholic Amy (Ali Wong, de "Meu Eterno Talvez") e o empreiteiro azarado Danny (Steven Yeun, de "Walking Dead" e "Minari").

Amy —descendente de chineses e vietnamitas, casada com o filho de um grande artista japonês e com uma filhinha geniosa— está prestes a vender sua rentável loja de plantas a uma grande rede de varejo.

O acordo a enriquecerá e a libertará para ser uma pessoa melhor, distanciar-se de um passado espúrio e pagar a dívida consigo mesma de ser a mulher que dá conta de tudo, sucesso profissional e pessoal.

Danny, por sua vez, é a imagem do fracasso, ou o que os americanos gostam de desenhar como sendo. Não tem amigos, sente-se inferiorizado pelo irmão caçula, se mete com um primo enrolado em delitos, não tem dinheiro, vê-se em dívida com os pais, que retornaram à Coreia. Seu negócio de faz-tudo vai mal, e seus clientes o detestam.

A promessa mágica que Amy encontra na venda de sua loja Danny encontra em uma igreja cristã da comunidade coreana, onde, parece, pela primeira vez o respeitam.

A série daí por diante versa sobre a espiral de desespero e raiva dessas duas pessoas em busca de expiação, mas não só.

Os demais personagens à sua volta, humanos mais simples e menos ambiciosos em relação à própria vida, são egoístas e egocêntricos, seja qual for sua origem, idade, classe, religião ou renda —e o roteiro de Lee Sung Jin é muito engenhoso em montar esse quadro completo.

Todos parecem se amar, exceto os protagonistas, que se nutrem de um ódio profundo por si mesmos. O encontro dos dois, portanto, serve como espelho. Eles se veem um no outro, e o desprezo e a raiva explodem de cara.

Dá para ver "Treta" como uma comédia afiada de múltiplas inspirações, de Fellini a Tarantino, liquidificadas no timing da geração tiktok. Dá, também, para ver como uma crítica profunda ao mito da felicidade, tanto na sua versão ocidental, do sucesso ostensivo, quanto na oriental, da paz interior e superioridade moral.

E, se você não gostar de nada disso, dá só para assistir na torcida para que todo mundo se dê mal. Em qualquer caso, o espectador será contemplado.

Os dez episódios de "Treta", curtinhos, estão disponíveis na Netflix

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