Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

O cérebro moral

A moral humana é um agente da indignação, mas atende a certos interesses

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Em 2015, nos EUA, a empresa Turing adquiriu os direitos de fabricar o Daraprim, remédio tradicional e essencial para o tratamento de infecções protozoárias potencialmente fatais. Semanas depois aumentou em 5000% o preço do fármaco. Com esta medida contra a saúde pública, o CEO da Turing foi apelidado de homem mais odiado do mundo, um imoral. Mas há quem o defendeu, afinal empresas só sobrevivem para fabricar o indispensável se derem lucro para seus acionistas, esta é a lógica. A moral humana é um agente da indignação, mas atende a certos interesses.

Escultura 'O Pensador' do artista francês Auguste Rodin (1840-1917). A foto foi tirada em junho de 2022 durante exposição da peça em Paris, capital da França
Escultura 'O Pensador' do artista francês Auguste Rodin (1840-1917). A foto foi tirada em junho de 2022 durante exposição da peça em Paris, capital da França - Alain Jocard/AFP

O Dr. Kellogg (26 de fevereiro de 1852 – 14 de dezembro de 1943) para além de seus sucrilhos, aconselhou pessoas a não se masturbarem. Disse haver provas científicas de que pragas, guerras ou a varíola não causaram desastres tão graves à humanidade tal qual o pernicioso hábito faz. Para o médico a masturbação era imoral e de consequências maléficas. No período clássico, no entanto, alguns defenderam abertamente a masturbação, advogando que a prática aumentava a força e a fertilidade. A moral humana é um vigoroso credo, mas não é totalmente inflexível.

Conceituar os fundamentos acerca do julgamento moral é um tema filosófico, não esgotado. Cabe aqui simplificar, o julgamento moral é a diferenciação do bem do mal. Experienciamos nossas convicções morais como verdades objetivas, a certeza do que é certo e do que é errado.

A moral forma princípios compartilháveis, frequentemente compreendidos como consequências de valores universais, que unem pessoas em seus determinados grupos. Por isso legítima comportamentos e motiva ações. Contra quem comete imoralidade, lançamos a culpa e a punição, eles nos ultrajam, e nos causam sentimentos intensos e negativos. Julgamentos morais incitam emoções e afloram sólidos pontos de vista, ingredientes para a criação de ritos que podem proteger ou destruir.

Como as nossas convicções colam-se aos nossos âmagos, reduzem espaços para negociações, e frequentemente geram impasses e polarizações. Há consequências históricas e políticas destas cisões, como estigmatização, desumanização e agressão contra quem não divide as mesmas convicções.

Principalmente durante disputas políticas, a propaganda eleitoral incita julgamentos morais. Seja a moral que defende classes desprivilegiadas, ou a que exalta valores supostamente pilares da boa civilização. Mas o eleito, não é surpreendente, quase sempre falha na defesa de bandeiras teoricamente ou de fato valorosas, as razões são várias, interesses particulares, desonestidade ou incompetência.

Esta inconsistência entre os resultados alcançados e as crenças defendidas, criam um desconforto mental, nomeada como dissonância cognitiva, que será aplacada com adaptações de discursos para amoldar crenças. A moral humana é rígida, quase irredutível e inegociável, mas pode se dobrar às necessidades. Logo um presidenciável que antes vociferava contra as imoralidades perpetradas pela câmara legislativa, mudará a fala tão logo conquiste sua cadeira, pois será dependente do congresso. Um bode expiatório será concebido para ajustar o discurso. O STF, elites estrangeiras, ou uma herança maldita podem tornar-se a justificativa das mazelas insolúveis. Políticos no topo do poder colocam camadas de pessoas (e ignorância) entre si e seus atos sujos, assim desvinculam-se das más práticas que comandam, e mantém as boas aparências, ao menos para alguns fiéis.

Mas não importa, a moralidade continuará como aspecto central da humanidade. As nossas memórias construídas sobre eventos passados envolvendo morais, constroem uma visão positiva egóica. Não compreendemos ao certo como o cérebro opera a moral, e também como reage quando rompe com ela. Mas temos algumas pistas, a cognição dos julgamentos do que é certo ou errado, é amplamente distribuída por todo o cérebro, em especial, áreas frontais que mensuram recompensas e punições, e também predizem as consequências das atitudes, mais áreas parietais associadas a empatia. Porém não sabemos as razões de como nossas convicções morais mudam, conforme novas informações são assimiladas, para o bem ou para o mal.


Referências:

  1. Schein C, Gray K. The Theory of Dyadic Morality: Reinventing Moral Judgment by Redefining Harm. Personal Soc Psychol Rev. 2018 Feb 1;22(1):32–70.
  2. Feinberg M, Kovacheff C, Teper R, Inbar Y. Understanding the process of moralization: How eating meat becomes a moral issue. J Pers Soc Psychol. 2019;117(1):50–72.
  3. Feinberg M, Willer R, Kovacheff C.The activist’s dilemma: Extreme protest actions reduce popular support for social movements. J Pers Soc Psychol. 2020;119(5):1086–111.
  4. Chen C, Martínez RM, Chen YC, Fan YT, Cheng Y. The neural mediators of moral attitudes and behaviors. Behav Brain Res. 2022 Jul 26;430:113934.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.