Luciano Magalhães Melo

Médico neurologista, escreve sobre o cérebro, seus comandos, seus dilemas e as doenças que o afetam.

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Luciano Magalhães Melo
Descrição de chapéu Mente

Você pode comer algo que lhe provocará doença de Parkinson

Estudo demonstra que anos de consumo de água contaminada com tricloroetileno (TCE) eleva em 70% o risco de sofrer a enfermidade

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"Doutor, há muito tempo eu tenho esse tremor nas mãos, vou ter doença de Parkinson? Meu pai morreu com este problema." Tremores causam o medo circunscrito na pergunta, é compreensível. Entretanto, a doença de Parkinson não é a causa mais comum de uma mão trêmula, tampouco é necessário haver um membro trêmulo para definir esta moléstia.

A presença de tremor pode ser um sintoma da doença, mas não um fator de risco. Contudo, caso exista, deve atender certas características, assim como estar acompanhado de outras manifestações clínicas, como rigidez muscular e empobrecimento de movimentos. É muito raro a doença de Parkinson emergir clinicamente em um único sintoma, isoladamente.

"Não, você não tem doença de Parkinson. Inclusive, não existe nenhum sinal de que terá". Estas poucas palavras eram o que a mulher gostaria de ouvir. Aliviada e se considerando saudável, culpou a ansiedade causada por questões cotidianas. Oportunamente reclamou de um agravante, não dormia bem. Seu marido a acordava, ele mantinha um sono agitado, movia-se dormindo, até a chutava.

Ilustração de três cérebros mostrando as ligações do nervo olfativo com o cérebro
Estudo publicada na revista Nature mostra que perda olfativa é uma marca de possível doença de Parkinson - Nature/Divulgação

"Não, você não tem doença de Parkinson. Inclusive, não existe nenhum sinal de que terá, mas a sorte de seu marido será outra". Essa segunda versão da frase não chegou a ser dita, contudo ela é acurada. Incidentalmente, a mulher descreveu muito bem de seu marido um provável sinal precoce comum da degeneração cerebral que, tardiamente, eleva muitíssimo as chances de sofrer a doença de Parkinson em seu aspecto completo.

O marido deveria estar se movendo de acordo com o que sonhava. Se esta hipótese estiver correta, ele teve destruído um grupo de células cerebrais responsáveis por "desativar" os músculos durante o sono REM. Esta é a fase mais profunda do adormecer, etapa em que os olhos se mexem e os sonhos são mais amalucados. Sem o "desligamento" muscular, o indivíduo movimenta-se em resposta às fantasias oníricas. Este é o transtorno comportamental do sono REM, uma das possíveis causas de sono agitado.

Dor em escápulas, depressão, ansiedade e quedas abruptas da pressão arterial são outros eventos clínicos, que, se somados, também predizem a doença de Parkinson. Mas existem ainda dois sintomas precoces, que são muito especiais, pois indicam que nem sempre a doença se inicia no cérebro. São estes a perda de olfato e a constipação intestinal.

Em alguns casos, não poucos, os primeiros movimentos degenerativos lesionam células responsáveis pela olfação, ou os neurônios localizados no intestino, aqueles que guiam os movimentos deste órgão. A doença iniciada um pouco além do nariz ou no intestino, ascende até o cérebro, tendo como guia condutor um nervo. Esta forma de avançar aponta que algumas pessoas têm a doença de Parkinson como consequência de algo inalado ou comido.

Dados estáticos também reforçam esta tese. O número de pessoas com doença de Parkinson mais que dobrou nos últimos 30 anos e, se nada mudar, dobrará novamente até 2040. Apenas o envelhecimento da população não explica esta expansão. Foram identificadas várias causas genéticas, mas a grande maioria das pessoas com esta afecção não carrega nenhuma dessas mutações. Lesões cerebrais causadas por traumas também são desencadeadores, mas em muito poucos afetados. Algumas moléculas podem ser responsáveis, por estes dados, provavelmente agentes invisíveis que atingem bocas ou narinas.

Artigo publicado neste ano na importante revista Jama (Journal of the American Medical Association) demonstra que anos de consumo de água contaminada com tricloroetileno (TCE), uma molécula simples de seis átomos, eleva em 70% o risco de sofrer doença de Parkinson. Apesar de ser um carcinógeno desmascarado há anos, o consumo global de TCE continua a aumentar.

Esta substância já foi o solvente predominante na limpeza a seco. Atualmente, as principais utilizações do TCE estão em desengordurar por vapor e na produção de gases refrigeradores à base de hidrofluorocarbono. Entre 9% e 34% do abastecimento de água dos EUA têm quantidades mensuráveis do TCE.

Não existe uma intervenção terapêutica capaz de curar ou reduzir o avanço da doença de Parkinson. O reconhecimento de suas causas é fundamental para que construamos formas de prevenção adequadas. O TCE é apenas a primeira molécula contaminante de água a ter a associação com a doença de Parkinson identificada em um grande estudo populacional.

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