Luiz Felipe Pondé

Escritor e ensaísta, autor de "Notas sobre a Esperança e o Desespero" e “A Era do Niilismo”. É doutor em filosofia pela USP.

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Luiz Felipe Pondé

A vida coletiva só é sustentável sob esquemas de repressão

O capitalismo em grandes doses é insuportável e faz todo mundo ficar com cara de idiota

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A humanidade se transforma num enxame de insetos a passos largos. O recente fato ocorrido com os bancos e o mercado financeiro é apenas um exemplo entre tantos outros. A vocação a manada em pânico é estrutural no Homo sapiens.

A ilustração figurativa de Ricardo Cammarota foi executada em técnica manual, lápis grafite, com montagem e colorização digital. A imagem, na horizontal (proporção 17,5cm x 9,5cm - versão impressa), mostra duas mãos algemadas, uma à esquerda e a outra, à direita. As mãos não estão algemadas entre si, as correntes das algemas saem para as laterais da ilustracão nos dois lados. Ao fundo, sobre papel cor craft, há uma trama de notas de dinheiro (em ícone estilizado), ao fundo da ilustracão, na cor vermelha e em tons de vinho.
Ilustração para a coluna de Luiz Felipe Pondé de 26 de março - Ricardo Cammarota

O capitalismo é um impasse existencial, além de tudo. O capitalismo financista, como dizia o velho Marx, implica a condição de estarmos sempre à beira de um ataque de nervos. Vivendo de crise em crise, e a cada crise o "risco sistêmico" —como no caso do Credit Suisse— ou seja, o risco de quebra sistêmica do mundo financeiro, se espalha, e a manada corre para as redes a fim de saber como agir.

Não há alternativa ao capitalismo. O que não implica que a degeneração do sistema não ocorra. Mesmo a esquerda contemporânea não passa de um nicho de mercado. Basta ver o carreirismo dos ativistas das identidades, fazendo marketing de si mesmos, buscando espaço de business e de cargos nos departamentos de "diversidade" das empresas. A esquerda hoje só quer "um pedaço da ação" como diziam os gângsteres na época do Al Capone.

Não há alternativas. Entretanto, tampouco os liberais podem cantar vitória porque provavelmente em alguns anos o mundo viverá uma espécie de queda do império romano, quando as relações sociais degenerarão, as instituições estarão em erosão contínua —essa loucura para regular as redes já é indício da consciência desse pânico—, a vida afetiva estará em entropia, a natalidade em desaparecimento. Um mundo de velhos sozinhos e pets.

Mas há um detalhe da vida sob o modo de produção capitalista contemporâneo que me causa desgosto em especial. Qual é esse detalhe? Quando somos obrigados a viver o capitalismo para além de pequenas doses. E isso tem se tornado cada vez mais difícil. Você deve se ver sempre como uma startup.

O capitalismo em grandes doses é insuportável. Todo mundo fica com cara de idiota. Claro, a opção por viver o capitalismo em pequenas doses diminuirá suas chances de ganhar muito dinheiro. Para suportar essas grandes doses você precisa cada vez mais fazer e falar o que o mercado pede.

A alma mais pura do capitalismo em grandes doses é o novo rico como paradigma. Estar sempre agindo em networking é uma grande dose de capitalismo no plano comportamental. Estar sempre pensando no que suas relações cotidianas podem abrir portas para você é estar em networking continuamente. No passado, esse comportamento era visto como mau caráter.

Claro que o marketing digital —conhecido como redes sociais— é o grande palco dessas doses gigantescas do capitalismo no plano existencial. Nesse caso, ainda mais, degenera-se rapidamente.

Tudo fica obscenamente evidente: a burrice, a mentira como método, o desespero do envelhecimento, a banalidade dos afetos, o pavor da irrelevância —todo mundo quer ter uma opinião original e com isso aparecer. Quando tudo é business, não há nenhuma esperança. E hoje, até o chamado humanismo é business.

Engana-se quem acha que está fugindo do capitalismo em grandes doses quando funda uma comunidade sustentável em alguma propriedade cara —alguém sempre deve ter uma grana para manter os aproveitadores.

A vida coletiva só é sustentável sob grandes esquemas de repressão. Tais comunidades sustentáveis alternativas são grupos altamente repressores e hipócritas no seu funcionamento, como todos o foram desde a pré-história.

Mas divago. A questão é: ainda é possível viver o capitalismo em pequenas doses? Creio que ainda sim, mas não por muito tempo. O que viveremos em breve é o capitalismo em degeneração como sustentação da vida social. Para resistir às grandes doses, por exemplo, se faz necessário não querer ter um sucesso retumbante em nada do que você faz.

Baixar as expectativas, não como alguém que se acha salvador do mundo e posta sua fuga no Instagram, mas como um qualquer, um refugiado, que foge com falta de ar.

Aliás, hoje, refugiado, morador de rua, também é business, marketing e branding, até de artistas que levam "les misérables" para assistir a seus shows e fingem amar o mundo. Triste não?

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