Luiz Weber

Secretário de Redação da Sucursal de Brasília, especialista em direito constitucional e mestre em ciência política.

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Análise do voto de Rosa mostra que ministra absorveu acervo teórico de Fachin

No julgamento do habeas corpus de Lula, ministra recorre a autores nunca antes citados por ela, mas que são da predileção de colega do STF

O Sergio Moro gostou. “O voto mais interessante foi da Rosa Weber”, disse o juiz no Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, nesta terça-feira (10), sobre o resultado do julgamento do habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no STF (Supremo Tribunal Federal). 

Lido em retrospectiva, eliminando os sinais contraditórios, o voto decisivo, que abriu caminho para a decretação da prisão do ex-presidente, possui um elenco de autores acadêmicos inédito na carreira jurídica da ministra. Pensadores americanos, juristas italianos, alemães, um filósofo escocês contemporâneo, deram substância ao texto. 

Nas 31 páginas do voto, Rosa citou 18 autores estrangeiros e brasileiros. A análise das referências acadêmicas, confrontada com seu acervo bibliográfico habitual, indica que a ministra, ao preparar seu célebre voto, bebeu em águas desconhecidas. Pela intensidade de citações, parece ter sido socorrida por um caminhão-pipa de notas de rodapé. 

No acervo de jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), de onde a ministra saiu para o STF, e no banco de dados do próprio Supremo, pesquisas relacionando o nome de Rosa aos trabalhos dos autores citados por ela mesmo no Habeas Corpus de Lula revelam raros match. 

Lance no sistema do TST e do STF os nomes dos acadêmicos agora de predileção da ministra combinado com o nome Rosa e virá, no TST, esta mensagem “Desculpe! Não foi encontrado nenhum documento para o (s) argumento (s) da sua consulta.”. No Supremo, o alerta é semelhante: “Nenhum documento encontrado”. 

Após sete anos de Supremo, a ministra descobriu o encantamento maduro por autores que não pertenciam ao seu banco de referências –até a última semana. Consultando suas 20817 decisões monocráticas, o algorítimo de pesquisa do STF indica que foi uma iluminação repentina. 

No voto, Rosa citou, por exemplo, duas vezes o escocês Neil MacCormick, um filósofo do Direito que milita academicamente no campo da argumentação jurídica. Antes de a ministra mencioná-lo, MacCormick era praticamente um desconhecido, ignorado, no STF. Havia uma exceção: Fachin! Das 277 decisões monocráticas (individuais) publicadas pelo no tribunal com referência à obra de MacCormick, 275 eram de Fachin, 99,2% do total. As outras duas menções vieram de Luiz Fux. 

A citação de Rosa na sessão que julgou o HC 152752/PR não foi uma qualquer. Os três livros editados apenas em português desse autor escocês possuem 1172 páginas, pra lá de 35 mil linhas escritas. Mas, bingo! A ministra transcreveu um trecho idêntico ao usado, por exemplo, por Fachin no RE 593.849/MG. No contexto da argumentação de Rosa, o recorte era importante. Falava sobre a colegialidade, da necessidade do Supremo se fazer valer pela força de sua maioria, do respeito aos precedentes.

No acórdão (decisão colegiada) da extradição 1362/DF, a ministra até cita o professor escocês, um registro único em seu acervo, mas apenas faz referência a esse autor depois que o colega de tribunal o menciona momentos antes no mesmo julgamento. Quase uma cola. 

Em outra passagem na sessão do habeas corpus, Rosa cita este trecho, também de MacCormick: “a fidelidade ao Estado de direito requer que se evite qualquer variação frívola no padrão decisório de um juiz ou tribunal para outros”. Por trás da cortina erudita, um punch na mudança de posição do ministro Gilmar Mendes. 

Aí, outra singularidade. Quem cita esse pedaço, igualzinho, na mesma extensão, é o professor Luiz Guilherme Marinoni, no texto “Precedente Obrigatórios”, baseados em palestra proferida no Congresso de Direito Processual, realizado pelo Instituto dos Advogados do Paraná, em 2010. 

O próprio Marinoni é citado por Rosa no voto proferido no habeas corpus. Professor de Direito Processual da Universidade Federal do Paraná, afamado processualista, dos bons, é velho companheiro de Fachin, que também fez carreira no mesmo departamento dessa faculdade. 

Rosa o citou 18 vezes nos últimos sete anos –uma média de 2,6 menções por ano. Já Fachin surge associado ao amigo, desde sua posse em junho de 2015, 293 vezes –uma taxa mensal de citação 50 vezes maior do que a colega de plenário. A referência bibliográfica trazida por Rosa (“O STJ enquanto Corte de precedentes”) jamais esteve no rol da ministra, mas por 12 vezes enfeitou os votos de Fachin.

O artigo “Constitutional Courts and Deliberative Democracy”, do cientista político e doutor em Direito Conrad Hübner Mendes, foi citado 20 vezes por Fachin em suas decisões monocráticas. E apenas uma vez por Rosa. 

A lista de autores que nunca pertenceram ao universo teórico de Rosa, isto é, que se incorporaram de última hora às decisões da ministra –mas desde sempre acompanharam Fachin– prossegue. Ronald Dworkin, Karl Larenz e Mauro Cappelletti... Esse último, vale um registro. Jurista italiano, foi traduzido pela conterrânea e ex-ministra do Supremo Ellen Gracie e publicado por uma editora de Porto Alegre, a Fabris. 

Citações, homenagens acadêmicas nada dizem sobre a qualidade do voto de um ministro do Supremo. Há decisões claras, precisas e importantes proferidas por Rosa Weber, sem que um escrete de autores obscuros tenham sido citados. Apenas senso de justiça e correção. 

No julgamento que celebrizou o voto da ministra, a sincronia de pensamento, o mesmo plantel de autores, a semelhança das muletas teóricas usadas indicam que Fachin, até involuntariamente, tornou-se a consciência de Rosa para o caso Lula, espécie de grilo falante da ministra que, por coincidência, senta-se ao seu lado no plenário do STF. 
 

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