“A Moça com Filtro de Gatinho” (filtro sobre tela de iPhone, autor desconhecido) pode ser considerada uma Gioconda contemporânea. Seu sorriso dúbio e enigmático, também conhecido como “carão”, impossibilita qualquer certeza a respeito do estado de ânimo da criatura retratada —um híbrido de humano e felino, provavelmente atravessando a adolescência, a julgar pelo delineado impecável em volta dos olhos.
Por trás do filtro de embelezamento do Facetune existe um narcisista pós-moderno que não precisa gastar tubos de dinheiro com bichectomia, harmonização facial, botox e lentes de contato dental. Em vez de passar os dias enfurnado em uma clínica de estética ou uma academia, ele perde a mesma quantidade de tempo editando suas fotos até se transformar em um boneco de cera. Terminou seu romance com o espelho, que insistia em esfregar em sua cara o reflexo de suas olheiras, poros entupidos e entradas capilares.
Já o filtro de criança do Snapchat é apenas a ponta do iceberg para quem está no auge dos 30 anos e compra um ingresso parcelado em 12 vezes para o show da dupla Sandy e Júnior.
O filtro de envelhecimento do FaceApp mexeu muito com sua cabeça. Ela não estava preparada para aquele spoiler do futuro. Os cabelos brancos, os vincos e manchas em sua pele eram o de menos. Quando descobriu que o aplicativo rastreava seus dados de navegação e poderia ceder informações privadas a terceiros, já era tarde demais. E quanto mais conversava com os outros sobre algoritmos e espionagem, mais links sugeridos encontrava sobre o tema. Acabou voltando para o bom e velho Nokia da cobrinha.
Queria divertir seus seguidores com aqueles filtros que deixam a cara retorcida. Sua avó sempre o alertou sobre fazer caretas: um anjo poderia soprar o seu rosto, que permaneceria daquele jeito para sempre. Dito e feito, passava por ali um anjo sem nada melhor para fazer, que baforou na cara do pobre mortal no exato instante do clique, travando o app naquele filtro por toda a eternidade. E quando comentavam em suas fotos “que cara é essa?”, era obrigado a responder: “É a única que eu tenho”.
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