Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu

Um blend de esgoto e cloro, a nova bebida do verão carioca

O retrogosto de coliformes fecais era a prova de que a crise hídrica não era fake news

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Bebi um gole de água do filtro e um Carnaval de dissabores tomou minhas papilas gustativas de assalto. Um blend de esgoto e cloro, a nova bebida do verão carioca.

Lembrei imediatamente de uma corrente de WhatsApp, enviada pela minha avó, sobre a contaminação da água no Rio de Janeiro. O alerta passou despercebido no meio de outras mensagens encaminhadas sobre os benefícios da graviola, o perigo de usar o microondas enquanto se está falando ao celular e orações para o meu anjo da guarda.

Uma mão com unhas compridas pintadas de vermelho segura um copinho transparente. Dentro dele, há um creme marrom com uma mosca em cima.
Silvis/Folhapress

O retrogosto de coliformes fecais na minha boca era a prova de que a crise hídrica não era mais uma fake news alarmista. Isso, e o número cada vez maior de pessoas dando entrada no pronto-socorro com infecções gástricas.

Fui até o supermercado mais próximo de casa, mas só tinha água com gás que, além de ser mais cara, me deixa inchada feito uma lata de molho de tomate com botulismo.

Na segunda tentativa, encarei novamente o vazio das prateleiras e da condição humana. Uma senhora ao meu lado comparou o Brasil à Venezuela, defendeu a privatização da Cedae e me aconselhou a beber água alcalina para viver até os cem anos. Do jeito que as coisas andam, a ideia de sobreviver até 2087 não me pareceu nada vantajosa.

No depósito de bebidas que fica do outro lado da rua, pelo menos encontrei uma boa notícia: o gim estava na promoção. Como se já não bastasse o Carnaval de 50 dias decretado por nosso prefeito-barra-bispo-evangélico, o Rio de Janeiro me obriga a beber.

Munida apenas de uma garrafa de água que passarinho não bebe, estava prestes a desistir, quando me deparei com um oásis. Os engradados de água mineral empilhados na caçamba de uma picape pareciam uma miragem.

Três empreendedores se revezavam para atender a clientela, proteger sua mina de ouro e conferir se nenhuma autoridade se aproximava.

Comprei duas garrafas por um preço abusivo, me sentindo culpada por financiar o tráfico. Cheguei em casa, bebi um gole, e lá estava ele, o cheiro do ralo, o gosto do esgoto. Posso não ter caído no golpe do WhatsApp, mas caí no da água da bica engarrafada.

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