Manuela Cantuária

Roteirista e escritora, é criadora da série 'As Seguidoras' e trabalha com desenvolvimento de projetos audiovisuais

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Manuela Cantuária
Descrição de chapéu machismo

Bruxa de 'A Pequena Sereia' não mente quando diz que mulheres devem se calar

Décadas depois do original, querem mudar a letra de 'Pobres Corações Infelizes', que diz que homem odeia as tagarelas

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A vida não é um conto de fadas. É essa é a moral oculta —e profundamente irônica— de qualquer conto de fadas. Pelo menos essa era a intenção inicial. Acontece que esses contos foram sendo exaustivamente reescritos e empobrecidos simbolicamente. Em parte, por causa do patriarcado, em outra parte, em nome do que chamamos de politicamente correto.

Acabo de ver uma reportagem sobre o lançamento do live-action de "A Pequena Sereia" que ilustra perfeitamente esse processo. Eis que o compositor da trilha original deu uma entrevista dizendo que alterou a letra de algumas músicas da clássica animação dos anos 1990, que teriam conteúdo sexista.

Ilustração da personagem Bruxa do Mar do filme Ariel.
Ilustração de Silvis para coluna de Manuela Cantuária de 11 de abril de 2023 - Silvis

Uma dessas canções é a música-tema da vilã Úrsula, a Bruxa do Mar, "Pobres Corações Infelizes". Refrescando a memória das leitoras, Ariel está em pé de guerra com o pai autoritário e procura a Bruxa do Mar, que promete transformá-la em humana, com uma condição: Ariel precisa perder a sua voz se quiser fazer parte do mundo dos homens —e essa nomenclatura para designar a nossa sociedade de boba não tem nada.

É a deixa para a controversa canção, cujos trechos mais emblemáticos são: "O homem abomina tagarelas/ garota caladinha ele adora!/ Se a mulher ficar falando o dia inteiro fofocando/ o homem se zanga, diz adeus, e vai embora". "Sabe quem é mais querida? É a garota retraída! E só as bem quietinhas vão casar."

Infelizmente, essa bruxa não está mentindo para Ariel. E chegar a essa conclusão não significa que concordamos com ela. Mas fato é que a nossa sociedade, e os homens, ainda incentivam e enaltecem a submissão feminina.

Não é por acaso que a principal característica da Ariel, a heroína dessa história, é a insubmissão. É ela que se apresenta como uma inspiração para as meninas que assistem ao filme, e não a vilã. Até porque o trágico final da Úrsula comprova que a história não acaba nada bem para mulheres que pensam como ela. Mais didático que isso, impossível.

Essa música funciona como uma lição fundamental para Ariel. A sereia realmente acha que vai experimentar uma liberdade fora do reino do pai que só existe na cabeça dela. A canção da Úrsula não destrói o sonho de Ariel, mas a prepara para o que está por vir. O mesmo vale para as pequenas espectadoras do filme, que se colocam no lugar dela. É irônico que essa mensagem acabe sendo levada justamente por uma onda feminista.

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