Mara Gama

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Além do canudinho: as encrencas plásticas

Especialista indica os materiais que são mais difíceis de reciclar e que estão na maior parte das compras de todos os consumidores

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As grandes empresas já sabem quais são os plásticos bons e os ruins, que embalagens são recicláveis e que embalagens não são. Mas precisam adequar seus sistemas produtivos para reduzir impacto no meio ambiente. “O plástico não é vilão. É um material extremamente útil, mas temos de deixar de lado os tipos que causam impacto, como os descartáveis”, diz Daniela Lerário, CEO da TriCiclos.

A empresa, que nasceu no Chile e completou dez anos no mês passado, dá assessoria e faz projetos para outras empresas administrarem e destinarem corretamente seus resíduos. Tem cerca de 250 pessoas e já prestou serviços ou presta para empresas como Sodimac, Coca-Cola, PepsiCo, Unilever, Walmart, Danone, Nestlé, LATAM, ENEL e 3M. Este ano, recebeu prêmio "As Circulares", dado a organizações de destaque dedicadas a reduzir a utilização de matérias-primas e resíduos de suas cadeias produtivas no Fórum Econômico Mundial em Davos, na Suíça.

Desde 2014 no Brasil, a TriCiclos é responsável por iniciativas junto a cooperativas, postos de recebimento de descartáveis e análises de reciclabilidade de produtos, com vistas a planejar a substituição dos mais problemáticos.

Aproveitando a campanha #julhosemplastico, que nasceu em 2011 no Reino Unido e se espalhou com mais força nos últimos anos também no Brasil, esta coluna entrevistou Daniela e pediu à TriCiclos uma lista dos plásticos mais difíceis de reciclar, por motivos técnicos ou econômicos. É o caso do isopor, por exemplo, que tem uma empresa recicladora modelo, a Santa Luzia, atuando desde 2002 em Santa Catarina, mas não dá conta de processar toda a enorme quantidade de material que é usada nos demais estados do Brasil.


A seguir, trechos da entrevista

Além do canudinho, quais são os plásticos que mais impactam o ambiente?

Todos os descartáveis deveriam ser deixados de lado já. Além deles, a lista inclui o plástico filme, os BOPPs (polipropileno) metalizados, usados em embalagens de salgadinhos, as bandejas e copinhos de isopor, o PET G, tipo tampa de bolo de supermercado, os lacres de PVC, que vedam vidros de azeitona, por exemplo, os BOPPs usados em barrinhas de cereal, o invólucro de canudinho, lacres de danoninhos e afins, a garrafa PET de leite que tem matrial preto por dentro, as embalagens flexíveis multimaterial, como as de sabão em pó que são mais rígidas ou de achocolatado em pó e as embalagens de ração, as embalagens blister de PVC (aquela parte plástica de barbeador, de canetas, os mexedores de café, os cotonetes de hastes de plástico.

Como descobrir quais são as embalagens menos nocivas?

Em primeiro lugar, tentar reconhecer o plástico, vendo se é reciclável ou não, antes de comprar um produto que o contenha. Uma outra dica é se tem embalagem dentro de uma embalagem e dentro de outra embalagem, é um sinal negativo.  Depois, optar pelas embalagens que têm menos mistura de material. Outra dica importante: objetos menores de 7 cm, em geral, não são reciclados. Têm valor zero. Tampinhas, isqueiros, tampa de caneta, canudo, misturador, haste de cotonete. Nada disso para nas grades do sistema de saneamento. Por isso, toda limpeza de praia que você vê encontra grandes quantidades desse material. Sachês de dose única também são problemáticos. Alguns copos de papel têm camada plástica. Não dá para separar o plástico do papel na hora da reciclagem. Se você olhar para o mundo dos brinquedos, nossa, são raras as exceções de materiais que podem ser reciclados, eles têm muitas cores e misturas de plásticos. Duas outras fontes de resíduos que não são recicláveis facilmente: delivery de comida e compras feitas pela internet. As empresas usam excesso de embalagem. Enviam montes de talheres, sachês de temperos. Os sistemas de entrega de compras feitas online embalam excessivamente os produtos.

Por que as empresas continuam a usar as embalagens que não são recicláveis?

Os sistemas de produção em escala desses produtos foram desenhados na economia linear, para serem descartados após o uso. Para mudar o sistema é preciso muito investimento e solução de escala. É mais barato usar plástico de pior qualidade? Pode ser. E há embalagens caras que são tão poluentes quanto as baratas. Não existe uma embalagem padrão que sirva para tudo e não existe solução padrão. O mundo do plástico é complexo. E nas embalagens há uma disputa entre marketing e ambiente. O maquinário dessas empresas foi feito para fazer essas embalagens atuais. Há muitas empresas revendo suas máquinas para mudar para materiais de base renovável. Então, muitas vezes a proposta é: vamos melhorar o resíduo que sua empresa está gerando? E sabemos que a reciclagem é um esforço que não se faz sozinho. Já sabemos que o grau de reciclagem é baixo e que os processos também consomem energia. A cadeia da reciclagem tem de ser bem cuidada. Para todo material, vale a máxima: está limpo e em grande quantidade no mesmo local? Aí tem valor. É muito complexo esse mercado no Brasil. Há muitos polos de cooperativas espalhados. E mesmo o maquinário de centrais mecanizadas não permite reciclar todos os tipos de materiais e em grande escala.

É possível que haja desinformação nas indústrias sobre os materiais?

Não acredito nisso. As grandes empresas já sabem o que é ruim e o que é bom. Elas sabem que é o modelo que precisa ser mudado. E isso requer investimento. Não tem como mudar isso sem mudar o modelo. Temos de comprar tantas coisas? Que durem tão pouco? Quando a gente vai estudar um caso de um cliente, a gente pergunta: precisa mesmo dessa embalagem? Quanto tempo a embalagem precisa durar? Vai viajar ou ficar no local? Quais os canais de venda? Tem embalagem projetada para ficar dois anos na loja e ela fica no máximo seis meses, então poderia ser mais fina, não ter plástico. Pode ser que no mercado haja uma solução menos danosa ao ambiente. O que sei é que produto e embalagem devem ser considerados como uma coisa só. Não dá para você vender orgânico numa embalagem que seja péssima. É inconsistente como negócio. É isso que apontamos. E existem muitas modas. Por exemplo: refil é melhor. Ah, é? Nem sempre. Muitas dessas embalagens de refil não estão sendo recicladas, enquanto o recipiente normal é reciclado.

O plástico filme, que você apontou como não reciclável, é usado nas embalagens de orgânicos nos grandes supermercados...

Olha, é uma grande complexidade. Veja só. O produto orgânico, para ser certificado, precisa ser embalado. Então, por causa dessa exigência, muitas vezes eles são embalados em filme, porque tem transparência, é barato e tem escala. Acontece que não é obrigatório embalar em plástico! Há soluções alternativas, como biofilmes e papéis.

E existem os plásticos biodegradáveis

Olha, cuidado com o biodegradável. Nem sempre ele é a solução. Ele é feito de uma fonte renovável. Então, do ponto de vista de extração, ele é um avanço. Ok, não vai ser extraído petróleo para a sua produção. Mas vai ser plantada cana. Vai consumir água, vai poluir igual. Muitas vezes o biodegradável é o oxibiodegradável, que é um plástico sobre o qual é aplicada uma película que faz com que ele se quebre. Ele se quebra, mas continua na natureza de forma particulada.

E as embalagens que são compostáveis? Já há vários produtos que anunciam isso como solução

Também há problema aí. Existem produtos que, para serem compostáveis, exigem condições de temperatura que você não alcança numa composteira doméstica, por exemplo. Daí você teria de ter um sistema específico para compostar aquela embalagem, o que na maior parte das vezes não existe. Se não tem essa estrutura, não muda nada, vai tudo para o aterro. Vale testar.

Os consumidores também usam plástico filme para embalar comida em casa, colocar na geladeira, como evitar?

Já existem panos de cera de abelha que servem para substituir. E também vasilhas de plásticos duráveis e recicláveis.

Quando uma empresa procura a TriCiclos, o que ela tem em mente?

A TriCiclos faz engenharia e economia circular, dá consultoria de gestão e destinação de resíduos. Temos grandes varejistas de alimentos que nos procuram para estudar estratégias de embalagens primárias e secundárias de suas marcas próprias e também de embalagens apenas para os pontos de venda. As perguntas costumam ser: como embalar meu produto com menos impacto? E não existe uma resposta única para todos os tipos de produto em escala. Certos materiais inviabilizam o preço do produto. Em outros, há receio de que o cliente não vá aceitar. Mas o que vejo é que os varejistas estão cada vez mais preocupados com o que o cliente vai pensar, e isso é bom. Desenhamos também estratégias de reuso, sistemas de desconto, fazemos análise de impacto do uso de retornáveis. Há um ano, estamos conversando com a associação dos plásticos no Brasil, a Abiplast, e essas conversas envolvem toda a cadeia. É preciso dizer que o plástico não é vilão. O problema é a forma como usamos. Todos temos responsabilidade. O que sinto é que as grandes empresas hoje sabem quais são os bons e os ruins e há hoje uma disposição para conversar claramente sobre as opções e redesenhar sistemas.


PLÁSTICOS QUE NÃO SÃO RECICLADOS

Plástico filme
BOPP (Polipropileno, filme plástico de alta resistência) metalizado, usado em embalagens de salgadinhos
Bandeja de isopor
Copinho de isopor
PET G, tipo tampa de bolo de supermercado
Lacres de PVC (aqueles que lacram os vidros de azeitona e afins)
BOPP usado em barrinhas de cereal
Invólucro de canudinho (o plástico que protege)
Lacre de Danoninho (e afins)
Garrafa Pet de leite (as que têm material preto por dentro)
Embalagens flexíveis multimaterial (como as de sabão em pó que são mais rígidas ou de achocolatado em pó e as embalagens de ração)
Embalagem blister de PVC (aquela parte plástica de barbeador, de canetas)
Mexedor de café
Canudos

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