Mal tinha terminado o jogo que eliminou a seleção brasileira da Copa da Rússia, quatro anos atrás, e a Globo lançou o "Fica, Tite", uma campanha por uma atitude inédita da história do Brasil: manter um técnico que havia fracassado.
Relembrando, o Brasil fora eliminado nas quartas de final (seu desempenho mais recorrente nos últimos 50 anos) após levar um banho tático da Bélgica, que colocou seus dois atacantes como pontas, inclusive Lukaku, deixando Tite sem reação até o fim do primeiro tempo, quando já estava 2 a 0.
No meu blog para aquela Copa, aqui na mesmo Folha, eu escrevi um post intitulado "Fica, Tite! Será?". No fim das contas, a campanha se alastrou, o técnico ficou e levou o Brasil até aqui: duas vitórias e classificação antecipada.
Nesse tempo todo, Tite teve um veículo de comunicação de uma fidelidade à toda prova: a Globo (incluindo SporTV). Não importaram as decisões do treinador, a cobertura da emissora sempre foi compreensiva e quase sempre esteve ao seu lado.
Nesta Copa, o clima da cobertura é o tradicional otimismo da Globo. Não chega a ser o clima de "maior favorito da história das Copas", de 2006, mas apenas nos raros programas do SporTV feitos no Brasil há algum questionamento maior.
A Globo exibiu a Copa com exclusividade pela primeira vez em 1982 —na época, o fato gerou uma enorme controvérsia. Seu poder sobre a seleção chegou a pontos impressionantes. Em 1998, o técnico Zagallo foi docilmente comandado por um cinegrafista global para começar sincronizado com o boletim especial da emissora o anúncio de cortes e convocações no início da preparação, no CT em Teresópolis. Na Copa, o QG da Globo ficava no estacionamento do hotel "exclusivo" onde estavam os brasileiros.
Na Copa de 2006, jogadores na Europa deram entrevista ao vivo ao Jornal Nacional, quando era cerca de 1h no horário local. Os treinos eram abertos, e na primeira fase, em Weggis, na Suíça.
Em 2010, o técnico Dunga implantou um estilo disciplinador, barrou as regalias da Globo, quebrando a programação da emissora e ignorando o fato de ser a detentora dos direitos de transmissão. A firmeza do treinador em não permitir privilégios provocou cenas inusitadas, como o próprio chefe da comunicação da CBF tentando levar jogadores ao estúdio da emissora na África do Sul por baixo do queixo de Dunga.
Por fim, em 2014, aconteceu quase de tudo nos treinos da seleção em Teresópolis. Os jogadores nem precisaram ir aos estúdios da Globo. Seus apresentadores entraram no CT e gravaram o que quiseram. Os treinos foram tumultuados do começo até quase o fim, todos completamente aos olhos de todo mundo, e deu no que deu.
Em 2006 e 2014, a Globo contou com a boa vontade de Carlos Alberto Parreira, como técnico e coordenador, respectivamente.
Com Tite, se estabeleceu um meio termo entre Dunga e Parreira: acesso muito restrito, mas não zerado, e relação muito cordial entre emissora e técnico. A Globo, sem o poder de antes, entendeu o seu limite e aceitou.
Desde 2017, pelo menos, a Globo vem tratando Tite quase como um parceiro. Nesta Copa, só se questiona (pouco) os jogadores e prevalece a vontade de ver o "copo meio cheio", nas palavras de um de seus apresentadores.
Resta ver o que acontecerá se o Brasil cair nas oitavas (como em 1990), nas quartas (1982, 1986, 2006, 2010 e 2018), nas semis (1974, 1978 e 2014) ou na final (1998).
Se o hexa vier, não haverá surpresa.
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