Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Livro sobre o clown Polydoro documenta o passado do circo no Brasil

O livrão de capa dura é um tesouro de fotos, depoimentos e informações sobre a arte do palhaço

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O Brasil tinha pouco mais de 10 milhões de habitantes em 1872, quando foi feito o primeiro recenseamento geral.

Nesse ano, o ainda adolescente José Ferreira da Silva fez sua primeira apresentação no trapézio, para o público do Clube Ginástico Português, no Rio de Janeiro.

Ilustração de André Stefanini para coluna de Marcelo Coelho
André Stefanini

A associação tinha sido fundada em 1868, e continua até hoje —com o seu Teatro Ginástico, hoje Sesc Ginástico, onde todo mundo (Procópio Ferreira, Elis Regina, Cacilda Becker, Marieta Severo) se apresentou.

José Ferreira da Silva não ficaria muito tempo limitado ao trapézio e à corda-bamba. Logo ele se destacaria como um dos primeiros (talvez o primeiro) palhaços-cantores na história do circo. É uma tradição que o célebre Waldemar Seyssel, o Arrelia, disse só existir no Brasil.

O jovem palhaço também imitava os políticos da época, em especial um certo general Polydoro, importante na Guerra do Paraguai.

Foi assim que ele se tornou o palhaço Polydoro (1854-1916).

Seu diário, contendo a lista de suas apresentações no Brasil, Uruguai e Argentina, foi dado por perdido --assim como o álbum de recortes da imprensa a seu respeito.

Está sendo publicado agora, pelo Centro de Memória do Circo, órgão da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo.

Trata-se de um livrão de capa dura, com o fac-símile das anotações de Polydoro (bastante sumárias, na verdade) e um tesouro de fotos, depoimentos e informações sobre a arte do palhaço.

Polydoro, com seu bigodão de português, cara pintada de branco e roupa inteiriça de bolinhas, era de um tempo em que os palhaços não se apresentavam em duplas. O estilo Pimentinha e Arrelia/Fuzarca e Torresmo viria mais tarde.

Nessas duplas, o “clown”, mais sofisticado, supostamente esperto e bem-vestido, contracena com o “excêntrico”, o tipo de sapatão, colarinho gigante e nariz de bola.

O papel mais exigente, contudo, é o do “tony de soirée”, que tem de ser tão bom ginasta quanto os trapezistas e equilibristas. Sua função é parodiar os números circenses que o precederam, fazendo tudo errado.

O tataraneto de Polydoro, Hudson Rocha (Kuxixo), ficou conhecido por imitar o “moon-walk” de Michael Jackson, dançando sobre uma prancha elevada de madeira, até que, no movimento em marcha-a-ré, perde o equilíbrio e se esborracha no picadeiro.

Foi um primo dele, Enzo Polydoro, quem procurou a pesquisadora Verônica Tamaoki, do Centro de Memória do Circo, para entregar o famoso diário do tataravô, guardado com os pertences da família.

Por cinco gerações, os Polydoros se sucederam na palhaçaria. Não é a única família, claro, a cultivar a tradição.

Em 1854, ano de nascimento do primeiro Polydoro, chegavam ao Brasil Jules e Augusta Seysset, com a companhia francesa de David Guillaume. Seysset ou Seyssel?

Seriam antepassados do Arrelia? Sabe-se que Waldemar Seyssel (1905-2005) era neto de Ferdinand de Seyssel, da família dos marqueses de Aix e viscondes de Seyssel, que se apaixonou por uma artista de circo e veio parar no Brasil.

Uma família japonesa, os Mange, começou a se apresentar aqui no final do século 19. O livro sobre Polydoro traz uma linda fotografia deles. São cinco crianças em escadinha, mais um menino equilibrado sobre caixotes, que um adulto deitado de costas (será seu pai?) sustenta na sola dos pés.

Os caixotes, decorados com pinturas de estrelas, se destacam sobre o falso luxo da lona que circunda o picadeiro.

A foto é bem um símbolo dessas gerações que se sucedem, cada vez mais alto, num edifício impossível, feito de proeza dura e fantasia frágil.

No livro admiravelmente organizado Verônica Tamaoki, leio um recorte anunciando uma conferência cômica que Polydoro iria fazer, lá pelos idos de 1880.

O palhaço prevê o futuro. Sigo a ortografia original: “as influencias das athemospheras visiveis com as asperrimas vegetações dos cogumelos hão se sempre atuar nas cavidades internas do ser pensante”; daí se segue, com certeza, que “assombros nervosos” irão se produzir.

Foi pior. Cabeças alimentadas com alfafa e capim tomaram conta do país. Saudade dos palhaços de verdade.

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