Marcelo Coelho

Mestre em sociologia pela USP, é autor dos romances “Jantando com Melvin” e “Noturno”.

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Ministro Pazuello parece ser o segurança das boates clandestinas no Brasil

Em meio à pandemia do novo coronavírus, general é o perfeito leão de chácara da esbórnia em curso no país

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Vejo alguns vídeos do general Pazuello e às vezes tenho pena. Outras vezes, é claro, o que sinto é horror e medo.

A responsabilidade individual de Pazuello, no massacre em curso, tem de ser investigada em detalhe.

Chegou-se ao ponto de o Ministério Público salvar gravações das falas do general para evitar que provas sejam destruídas.

Apontam-se várias contradições e mentiras do general. Há o caso da Pfizer, o do oxigênio em Manaus, e as explicações oscilam.

Assisti a boa parte de seu depoimento no Senado, explicando as diferenças dos contratos com diversos laboratórios, e suas ações na crise de Manaus. Não me arrisco a um julgamento definitivo.

Os detalhes de cada caso serão importantes do ponto de vista penal, mas minha opinião sobre Pazuello não depende disso.

montagem com o rosto do ministro da saúde, Eduardo Pazuello, de gravata borboleta
Ilustração de André Stefanini para a coluna de Marcelo Coelho de 2 de março de 2021 - André Stefanini/Folhapress

Será um cínico, um mentiroso, um alucinado? Não vejo em seu olhar o brilho, a euforia, o delírio assassino de Bolsonaro.

Vejo, principalmente, o medo. Medo que é duplo: ele teme a opinião pública, mas também, e acima de tudo, o capitão a quem obedece.

Não se trata daqueles militares abespinhados, ideológicos, acostumados a olhar para um horizonte fixo, levantando o queixo e retesando os glúteos. Não é de dar gritos e levantar o dedinho. Sua voz tem algo de quem pede desculpas.

Como ele próprio já disse, é dos que obedecem, não dos que mandam. O vídeo em que fez a afirmação, ao lado de Bolsonaro, talvez seja o único em que ele realmente parecia confortável diante da “missão” que lhe foi atribuída.

Mais do que um general, Eduardo Pazuello me lembra uma figura clássica, a do gordo de quimono na academia de judô. Sua obesidade é sólida, compacta, esportiva. Resiste a ataques, mas não se destaca pela agressividade.

Não é aquele judoca choramingas, que acha que vai ganhar sempre e depois se retira indignado porque perdeu (caso de Sergio Moro, por exemplo). Não é o inscrito grã-fininho, que está tendo aulas só porque a mãe mandou (penso em Ricardo Salles).

Muito menos é o maluco, que grita como um samurai e se ofende no meio da partida, ameaçando resolver a bala o que não consegue fazer pelas regras do jogo. “Esse, sim, é corajoso”, dizem os demais.

É assim que Bolsonaro fala o que quiser a respeito da cloroquina, promove aglomerações, condena o uso da máscara. Encontra em Pazuello um ministro que aceita tudo sem tugir nem mugir.

“Nunca recomendei o uso da cloroquina”, salva-se o general. Mas também não será louco de recomendar que se evitem aglomerações e que se use máscara. O chefe não aceita provocações.

Vi em DVD, outro dia, um filme meio antigo (1973), mas que recomendo fortemente. “Massacre em Roma”, de George Pan Cosmatos, conta um episódio real ocorrido durante a ocupação nazista na Itália.

A resistência italiana (“terroristas”, diria Bolsonaro) explode uma bomba e mata dezenas de soldados alemães. Os nazistas se veem no direito de fazer uma retaliação. Para cada alemão morto, querem matar 50 italianos. O general nazista está possesso.

Um coronel, seu subordinado (Richard Burton), é mais frio e controlado. Negocia, enrola, faz corpo mole e reduz a taxa de bodes expiatórios. Serão dez para cada alemão morto.

Ainda assim, fica difícil escolher os italianos a serem executados. A ideia “humana” é pegar os já condenados à morte ou à prisão perpétua. Não há muitos nos cárceres de Roma. Vamos preencher a lista com judeus, diz o coronel; afinal, vão ser assassinados mesmo.

Vêm então os problemas de logística e planejamento. Onde matar os 335 italianos? Onde enterrá-los? Quem fuzila? Qual a munição? Sem ódio, com alguma repulsa, mas sobretudo sem ver nada além da missão que lhe foi confiada, o coronel resolve tudo. Só não escapou de ser condenado à prisão perpétua, quando a guerra acabou. O caso ficou conhecido como o massacre das Fossas Ardeatinas.

Quem vê o filme fica com a impressão de que Kappler, o coronel, estava certo de ter feito o melhor possível, “nas circunstâncias”. Não era louco como seus chefes. Tinha uma “missão”; é uma boa cegueira, a de fixar os olhos na tarefa de cumpri-la.

Comparei Pazuello a um judoca. Corrijo.

A balada clandestina corre solta, com Bolsonaro cometendo barbaridades dentro da boate. Pazuello fica do lado de fora: intimidador, mas até certo ponto bastante educado, ele é o perfeito leão de chácara da esbórnia em curso.

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