Uma coisa é certa: no futuro, seremos todos considerados idiotas. Não me refiro aos que são idiotas desde já, os que se fantasiam de viking em defesa de Trump, ou que não usam máscara em obediência a Bolsonaro.
Não; daqui a alguns anos ou décadas, nossos comportamentos mais normais também serão vistos como
sinal de profunda babaquice.
Fico feliz de saber que, para as gerações mais novas, muita coisa já entra na categoria do "cringe" —o arrepio, o recuo, a vergonha diante de quem não sabe das coisas.
Haverá de ser melhor, imagino, o mundo em que se comprovar o ridículo de usar roupas com o logotipo do fabricante. Louis Vuitton, Moschino, Gap, Dior: mas que vexame, que confissão de baixa inteligência, que comportamento de rebanho, sair por aí proclamando essas marcas de alto consumo!
Mesmo sabendo disso, ando em público com uma ou outra. Passou o tempo em que tomar Coca era render-se ao imperialismo americano. Nunca fui desses extremos; se a roupa é Levi’s ou Carolina Herrera, se era falsa ou genuína, uso sem pensar.
É exatamente isso —o fato de não pensar— o que determinará, no futuro, nossa condenação como babacas definitivos.
Aceitarei na tumba, e aceito desde já, esse decreto. O mundo vai eliminar, tenho certeza, essa propaganda gratuita de grifes, esse salto alto de shoppings e filas de aeroporto.
Mas não ainda. Faltam novas etapas, novos aprofundamentos no fenômeno.
Até agora, as roupas só trazem estampada a própria marca: a calça Valentino foi feita, por exemplo, pelo sr. Valentino e seus associados.
Óbvio; até aí nada de mais.
Vamos em frente. Por que não usar outros logotipos? Penso, então, na calça Shopping Iguatemi. Ou na bolsa Itaú, laranja, provavelmente, com fecho esmaltado de azul.
Teremos as ultramarcas, as marcas não da fábrica, mas do serviço.
A camiseta Eletropaulo ou o boné Porto Seguro poderão, é certo, criar confusão. As pessoas não vão saber se você é consumidor ou funcionário da empresa. Afinal, qual a diferença?
Um boné Rede Globo me fará, quem sabe, distribuir autógrafos como se eu fosse o Galvão Bueno. Ou, com mais sorte, Marcello Antony. Se estiver difícil convencer os incautos, poderia personalizar o meu paletozinho, com o nome dele bordado em letras discretas.
Não serei mais um Lacoste qualquer; serei a propaganda, o sósia, o espelho do meu ídolo global.
Sem chegar a tanto, alguns varejistas internacionais já apostam na novidade. Leio que, na Inglaterra, uma rede de supermercados passou a vender pulôveres com seu logotipo. Não é bem o Pão de Açúcar; é uma rede baratíssima, o guaraná Dolly do velho mundo.
Chama-se Lidl. O símbolo da marca já depõe a respeito de sua baixa sofisticação. Um quadrado azul, com um círculo amarelo dentro, onde se inscreve o nome em letras grossas azuis, exceto o "i", que é vermelho.
Pois bem, fizeram o tal pulôver da Lidl. No dia do lançamento, foram vendidos 84 itens por minuto. A coisa se esgotou, e pode ser encontrada no Ebay pelo equivalente a R$ 8.000.
Não se trata de um casaco qualquer. O que torna tudo mais assustador é que o item faz parte de uma categoria que não conhecemos no Brasil: o pulôver de Natal.
É uma tradição inglesa, embora o supermercado seja alemão. Nesta época do ano, usam-se pulôveres com desenhos de pinheiros, renas, bolas de Natal —e, por que não, logotipos comerciais misturados no meio. Do McDonald’s ao equivalente local da Preçolândia, meias, gorros e casacos adotam o espírito natalino.
Corpos e corações se aquecem; o planeta também.
Pode parecer inútil a ideia de que "se cada um mudar seu comportamento" o meio ambiente será salvo. Mas a destruição promovida pela sociedade de consumo, quando vista em detalhe, é de fazer o Menino Jesus espernear no seu presépio.
Sete milhões de árvores de Natal vão para o lixo na Inglaterra, quando acabam as festas. As crianças põem comidas de brinquedo no jardim, para alimentar as renas de Papai Noel: plástico, alumínio, tinta e purpurina entram na barriga de passarinhos e outros animais.
Dois milhões de quilos de queijo são jogados fora depois da ceia natalina. Mais de 20 milhões de pessoas declaram ter recebido presentes que não queriam.
Isso, só na Inglaterra. Imagine nos Estados Unidos. No futuro, cada família desembrulhando seus pacotes não será diferente do viking que invadiu o Capitólio. Os chifres dele não eram de rena; mas, daqui a cem anos, ninguém notará a diferença.
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