Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Fique quieto, governador, pare de ajudar o presidente antivacina

Deixando Bolsonaro falar sozinho, suas contradições viriam à tona

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Quem chega aos 63 anos em 2020 terá vivido o bastante para ver acontecimentos portentosos, como a chegada do homem à Lua e a queda do Muro de Berlim. Viu também a explosão de Tchernóbil e da Challenger, a derrubada das torres gêmeas em Nova York e a chegada de Donald Trump e Jair Bolsonaro ao poder.

Seria o bastante para perder a esperança na ciência e na razão, mas talvez não de todo. Só esse fiapo de credulidade justifica lançar um apelo ao governador de São Paulo, João Doria (PSDB), para que fique quieto.

Doria repetiu à exaustão, durante a pandemia de Covid-19, que orienta suas decisões pelo conhecimento científico. Há razões para desconfiar de que o faça por oportunismo e não convicção, como sugerem suas investidas frustradas sobre as dotações das universidades estaduais e da Fundação de Amparo à Pesquisa (Fapesp).

O Governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), à esq., durante teleconferência com o presidente Jair Bolsonaro; Doiria segura microfone e Bolsonaro une as duas mãos fechadas a frente do rosto
O Governador do Estado de São Paulo, João Doria (PSDB), à esq., durante teleconferência com o presidente Jair Bolsonaro - Governo do Estado de São Paulo e Marcos Corrêa/PR

Tomando sua profissão de fé pelo valor de face, cabe pedir ao governador que pare de bater boca com o presidente sobre a vacina Coronavac.

Bolsonaro já deu provas abundantes de que nem as mortes desnecessárias de brasileiros podem detê-lo, se antevir proveito político em bombardear o distanciamento ou em sabotar vacinas. Doria não perde oportunidade, porém, de entrar na refrega pré-eleitoral com o presidente, mesmo tendo sido eleito no lombo da quimera Bolsodoria.

Poderia ter saboreado em silêncio a vitória obtida quando o ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello, anunciou a intenção de compra de milhões de doses do imunizante desenvolvido pela empresa Sinovac a ser fabricado pelo Instituto Butantan. Como o sapo da fábula, contudo, o tucano não resistiu a dar umas bicadas no rival.

Deixando Bolsonaro falar sozinho, suas contradições viriam à tona por si sós. O presidente disse que não vai permitir comprar a “vacina chinesa” nem que brasileiros sirvam de cobaia para um produto que não tem comprovação científica.

O fanfarrão prescreveu cloroquina até para emas. Participou de encenação pseudocientífica para propagandear vermífugo como nova panaceia contra o coronavírus, na órbita excêntrica de um ministro da Ciência e Tecnologia que só tem cabeça para travesseiro da Nasa.

O chefe de governo que rejeita vacina ainda em desenvolvimento, por paranoia ideológica, já se prontificou a desembolsar R$ 1,5 bilhão por outro imunizante, “de Oxford”, exatamente na mesma etapa preliminar de testes —e com mais problemas.

A vacina preferida do Planalto teve seus testes clínicos interrompidos, de forma temporária, pela ocorrência de efeitos adversos graves. Após análise, os ensaios obtiveram autorização de agências reguladoras para retomada no Brasil e na Europa —mas não, ainda, nos EUA idolatrados pelo clã Bolsonaro.

Na semana passada se soube da morte de um participante brasileiro nos testes dessa vacina em parceria da Fiocruz com a AstraZeneca, que viu suas ações despencarem. Quase nada se sabe sobre a fatalidade, da qual não dá detalhes a Anvisa, mesma agência sob suspeita de retardar a importação da China de insumos da Coronavac.

Bolsonaro tem pouco mais de dois anos para aprofundar sua necropolítica. Caso Doria saia vitorioso em 2022 e queira ter um país para governar, não ruínas, precisa trabalhar em silêncio com os líderes tucanos que alienou, os 70 deputados federais paulistas omissos e os empresários que acreditaram na cloroquina das reformas para pressionar o Congresso a iniciar um processo de impeachment.

Quem viver verá.

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