Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Implante reabre comunicação após síndrome do encarceramento

Microeletrodos no cérebro devolvem comunicação a paciente com paralisia completa

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Foram 107 dias para o alemão de 34 anos emitir uma frase inteira: "erst mal moechte ich mich niels und seine birbaumer bedanken" (primeiro eu gostaria de agradecer a niels e seu birbaumer). Uma redenção, tanto para ele quanto para o pesquisador que o resgatou do escafandro em que seu corpo se transformara.

O jovem nascido em 1985 recebeu em 2015 o diagnóstico de um tipo de esclerose lateral amiotrófica (ELA). A paralisia progrediu rápido, e os dispositivos de comunicação pararam de funcionar quando ele perdeu o controle dos olhos, que usava para apontar letras num painel.

Neurônios motores
Neurônios motores - 31.jul.2008 - Kit Rodolfa/John Dimos/Reuters

Sem poder mover nenhum músculo, instalou-se a forma mais extrema de síndrome do encarceramento. O paciente, entrevendo tal desfecho, havia autorizado a família meses antes a buscar ajuda do controverso cientista Niels Birbaumer.

Em 2017, artigo anterior da equipe de Birbaumer havia sido cancelado pela revista PLoS. O estudo descrevia como uma touca com eletrodos captava sinais neuronais de portadores da síndrome suficientes para escolher letras e formar palavras, mas um denunciante pôs os métodos e resultados em dúvida.

Birbaumer perdeu a reputação e o emprego. Processou a Universidade de Tübingen, que acabou aceitando um acordo. Volta agora à tona com um trabalho minuciosamente documentado no periódico Nature Communications.

Seu grupo espetou no córtex motor do paciente duas plaquinhas com 64 microeletrodos cada, que penetraram 1,5 mm no tecido cerebral. Um aparelho na superfície do crânio registrava a atividade elétrica dos neurônios captada pelas agulhinhas e enviava os sinais para um computador.

O treino para conseguir produzir respostas "sim" e "não" consumiu mais de três meses. O jovem conseguia ouvir os pesquisadores, e foi instruído a tentar modificar a frequência dos bipes escutados —mais rápidos, resposta positiva; mais lentos, negativa.

Ninguém sabe como ele conseguiu, mas foi o bastante para voltar a escolher letras apresentadas, ao ritmo de 131 por dia. A frase que abre esta coluna, por exemplo, consumiu quase uma hora para ser formada.

O artigo apresenta os resultados obtidos ao longo de 107 dias, dos quais em apenas 44 o rapaz conseguiu produzir sentenças inteligíveis. Ao todo foram 5.747 letras selecionadas ao longo de 5.338 minutos em 135 sessões de soletração de mensagens.

Muitas foram instruções para aumentar seu conforto, como "mama kopfmassage" (massagem da mamãe na cabeça), no 247º dia. Até cerveja e goulash o alemão pediu.

As mais banais e comoventes se dirigiram ao filho de 3 anos, como "moechtest du mit mir disneys die hexe und der zauberer anschauen auf amazona[?]" (você quer assistir ‘A Espada era a Lei’ da Disney na Amazon?). Imagine a alegria e o alívio desse homem.

Birbaumer disse à revista STAT: "Fazemos essas coisas porque queremos que essas pessoas estejam vivas, mesmo que a sociedade não as queira assim". O pesquisador atribui seu cancelamento a defensores da eutanásia, pois seu sistema resgata o diálogo com pacientes que precisam de respiradores para manter a vida.

"Este trabalho tem implicações políticas contra leis de eutanásia", declarou. "Na Europa, há uma força política forte por trás da liberalização de leis de eutanásia, e por isso esse tipo de pesquisa é muito controverso."

Antes de controversa: generosa, compassiva, libertadora. Mas há que ter o cuidado de obter o consentimento dos encarcerados, para uma coisa ou outra, antes de eles serem fechados no escafandro. Nem todos quererão seguir vivendo assim.

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