Ninguém perde muito sendo pessimista, em particular no Brasil. Empossado sem percalços, mesmo com terroristas conspirando contra isso, Lula tem chance de fazer bom governo —mas se recomenda conter o entusiasmo.
Desde o segundo turno, o presidente eleito viu sua imagem submetida a um cabo de guerra entre facções ideológicas (noves fora os golpistas). De um lado, a direita financista o pinta como demônio gastador. De outro, a esquerda desmemoriada o entroniza como impoluto salvador da pátria.
A primeira facção se provará errada, ou não, pela marcha da economia nos próximos meses. Se não vier o armagedão que seus profetas mercadejam, ficarão de novo falando sozinhos, com a cara lavada e os ganhos de sempre.
Para a outra parte, resta esperar que atentem para lições do passado recente e distante. Como neste espaço se trata de ciência e ambiente, às vezes de questões raciais e políticas de drogas, eis alguns itens para não esquecer.
Os sinais emitidos quanto ao MMA (Ministério do Meio Ambiente) são péssimos. Segundo se noticiou, Simone Tebet (MDB) era a preferida, mas Marina Silva (Rede) se impôs por gravidade, contra a insustentável leviandade de petistas.
A senadora Tebet, em que pese a participação decente na CPI da Covid e na campanha eleitoral, votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e apoiou pautas de Jair Bolsonaro em 86% de seus votos, segundo a Agência Pública.
Latifundiária em Mato Grosso do Sul, onde definham os guaranis-kaiowá, sempre votou com ruralistas contra indígenas. Cogitá-la para o MMA revela um descaso com o ambiente e os povos originários incompatível com as juras de adesão a tais causas.
Além disso, nada indica que tenha se alterado a matriz de pensamento no PT, marcada pelo bolor desenvolvimentista, como sugere a nomeação de Aloizio Mercadante para o BNDES. Essa mentalidade Brasil Grande se embriagou com o elixir fóssil do pré-sal e avalizou os crimes de Belo Monte, Santo Antônio e Jirau na Amazônia.
No MCTI (Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações), a escolha também denota desimportância devotada à rubrica. Lula poderia ter escolhido uma Margareth Dalcolmo, um Ricardo Galvão, mas se contentou com Luciana Santos (PCdoB).
O partido da vice-governadora de Pernambuco sempre andou perto da doutrina militar de cobiça internacional sobre a Amazônia. Tomara que ela enterre a paranoia anti-imperialista e encare a região pelos prismas da sociobiodiversidade, da crise climática e da bioeconomia.
Por fim, política de drogas e questão racial. Assuntos muito imbricados, dado que a fracassada guerra às primeiras segue enchendo as prisões de jovens pretos e serve às polícias fora de controle como pretexto para a violência contra eles.
Os sinais de fumaça emitidos pelo presidente eleito causam confusão. De uma parte, a escolha do advogado Silvio Almeida, presidente do Instituto Luiz Gama, para a pasta de Direitos Humanos aponta valorização do tema racial.
Por outra, a escorregada do futuro ministro da Justiça, Flávio Dino, ao indicar para a Secretaria Nacional de Políticas Penais um coronel da PM, e mais, com participação no massacre do Carandiru (mesmo que lateral), permite entrever o temor da esquerda de ser rotulada como frouxa em segurança pública.
Não dá para esquecer que a então presidente Dilma tirou Pedro Abramovay da Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas, em 2011, porque o jovem advogado defendera deixar de punir pequenos traficantes com prisão.
Abramovay, veja só, integrou a equipe de transição. Mas o tropeço de Dino dá indicação mais forte de que o governo de Lula titubeará diante do nó górdio que ata violência racial com drogas, encarceramento em massa e letalidade policial.
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