Marcelo Leite

Jornalista de ciência e ambiente, autor de “Psiconautas - Viagens com a Ciência Psicodélica Brasileira” (ed. Fósforo)

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Cerrado merece mais atenção que Amazônia

Monitoramento do Inpe aponta degradação galopante à volta do Planalto

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Brasil, pátria das prioridades invertidas. Só se fala em "gastança", enquanto eclode o ovo da serpente terrorista. Todos se preocupam com a Amazônia, quando deveriam estar de olho no cerrado.

Confira o Prodes, sistema para monitorar desmatamento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), que agora abarca todo o território. E se espante: 3 milhões de km² de vegetação nativa foram derrubados em 522 anos de colonização.

Para quem não faz ideia de quanto isso representa, são 36% do território nacional, que tem 8,5 milhões de km². Ou quase uma Índia (3,3 milhões de km²), onde vivem 1,4 bilhão de pessoas, 6,5 vezes mais gente que por aqui.

Área de cerrado desmatada para o plantio de soja na Chapada dos Veadeiros, em Goiás - Lalo de Almeida - 8.dez.2021/Folhapress

É muita terra. Talvez por isso a parcela menos brucutu do agronegócio diga há anos que não é preciso derrubar mais florestas para alimentar o Brasil e o mundo. Por que então ruralistas no Congresso querem impedir novas demarcações de terras indígenas?

Porque todos se beneficiam com a grilagem na Amazônia, para não falar do garimpo criminoso de minérios e madeiras nobres. Há justificativas de sobra para preocupar-se com o crime organizado no Norte e a devastação da maior floresta tropical do planeta, mas números servem para pôr as coisas em perspectiva.

É a mata atlântica o bioma brasileiro mais destruído, restando-lhe só 28% da cobertura inicial, pelo Prodes. Ia dizer cobertura original, mas essa cifra engloba áreas em regeneração, que tão cedo não exibirão a incrível biodiversidade da floresta tropical que deu a vida para parir o Brasil como o conhecemos.

A segunda pior situação está nos pampas, com 34% de remanescentes. Assim como a mata atlântica, uma paisagem antropizada (explorada) há muito tempo, que nos acostumamos a desmerecer, viciados no conformismo e na acomodação.

Em situação melhor se acham a caatinga, com 57% de vegetação sobrevivente, o Pantanal (77%) e a Amazônia (80%). No ponto médio, entre a vida e a morte, se equilibra o cerrado, onde pereceu já metade da ultrabiodiversa savana brasileira.

Atente para dados do Inpe: o cerrado perdeu 10.689 km² de agosto de 2021 até julho de 2022. Menos que os 11.568 km² decepados na Amazônia, verdade, mas proporcionalmente muito mais —afinal, a savana brasileira corresponde a menos da metade da área (2 milhões de km²) da floresta amazônica (4,2 milhões de km²).

Pior: no cerrado, o desmatamento deu salto de 25% no último ano do governo Jair Bolsonaro (PL). Em contraste, na Amazônia observou-se recuo de 11% no corte raso, ainda que não deixe de ser lamentável a devastação anual por lá estabilizar-se na casa de cinco dígitos, patamar galgado pelo pior presidente do Brasil.

São 13 as unidades da Federação com áreas no bioma cerrado: BA, DF, GO, MA, MT, MS, MG, PA, PR, PI, RO, SP e TO. Entretanto, a destruição em larga escala, acima de 1.000 km² anuais, campeia em apenas quatro delas: Maranhão (2.834 km² neste ano), Tocantins (2.128 km²), Bahia (1.428 km²) e Piauí (1.189 km²).

Numa palavra, Matopiba (MA, TO, PI, BA). Na região ocorre forte expansão da fronteira agrícola, com a abertura de terrenos para plantações de soja, milho, algodão e até trigo. Também há muito boi por lá. Além de bandeiras do Brasil em cada porteira e clubes de tiro aos montes.

A praga atual do Brasil não são as saúvas, nem os apoucados desenvolvimentistas do PT. São os latifundiários e pecuaristas de extrema direita que mandam empregados e refeições para sustentar a chusma de golpistas na porta de quartéis a adular os de dentro.

Oriundos do Sul, os patriotas de caminhão vieram de longe para destruir primeiro o cerrado. Ali fica sua cabeça de ponte, à volta do Planalto, de onde atacam a Amazônia e a débil democracia nacional em conluio com a bandidagem.

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